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Seis eixos de mudança

Dispersas pelos quatro cantos do mundo, nos locais mais improváveis, um conjunto de influentes boutiques de luxo assumem um papel disruptivo nos seus respetivos mercados de moda.

Durante décadas, lojas multimarcas como Colette, 10 Corso Como e Browns marcaram o passo da moda em Paris, Milão e Londres. Os mercados emergentes, por outro lado, têm sido relativamente lentos na criação de retalhistas multimarcas influentes. Mas, nos últimos anos, com a rápida globalização da indústria, as boutiques de luxo multiplicaram-se para lá das capitais de moda europeias, cada uma desempenhando um papel de relevo na formação do tecido dos mercados que integram.

De Bombaim a Baku, de Lagos a Jacarta, as mais excecionais entre si – mais do que meros veículos na captação de consumidores afluentes – servem agora como âncoras fundamentais nos seus panoramas de moda locais. Operando em algumas das economias mais dinâmicas do planeta, essas boutiques multimarcas tornaram-se entidades disruptivas nos respetivos mercados e importantes elos de ligação no sistema de moda global, conjugando o know-how local e as normas internacionais.

Alara, Nigéria

«Somos pioneiros no retalho [na Nigéria] e tomará tempo», advogou Reni Folawiyo, fundadora e CEO da Alara. «Trata-se de educar os nossos consumidores sobre a possibilidade de oferecermos paridade de preços com lojas noutros locais, criando uma experiência de compra que não pode ser conseguida em qualquer outro lugar». Com efeito, a inauguração da Alara em 2014 aproximou designers de moda africanos, reconhecidos pelo seu caráter disruptivo, como Maki Oh, dos consumidores da Nigéria, disponibilizando um canal de distribuição muito pertinente para as marcas estrangeiras, como Stella McCartney e Lanvin.

Sediada num impressionante edifício de quatro andares, projetado pelo célebre arquiteto David Adjaye, a Alara pode não atrair uma multidão visível de consumidores, como os maiores retalhistas em mercados mundiais mais maduros, mas tem a sua quota de consumidores regulares discretos, a maioria dos quais membros excecionalmente afluentes do crescente clube de milionários da Nigéria, habituados a viajar e a fazer compras no exterior, em destinos como Londres, Paris ou Dubai.

Os clientes da Alara têm acesso a uma seleção de marcas anteriormente inacessíveis na África Ocidental, mas as ambições de Reni Folawiyo superam o seu nicho particular. Folawiyo afirma que os designers não respondem necessariamente aos gostos e formas do corpo das mulheres africanas. A Alara pretende colmatar esse aspeto, assim como transformar a perceção sobre o luxo africano entre os consumidores locais. «A Alara foi concebida para mostrar ao mundo o que somos hoje, para partilhar o modo como vivemos e para mostrar aos africanos que têm muito de que se orgulhar – que criamos e apreciamos objetos de excecional qualidade e beleza», explica a fundadora.

Acima de tudo, a Alara é um íman para o distrito de luxo emergente de Lagos, dando um exemplo aos restantes retalhistas de moda e marcas que estão a migrar para Victoria Island (onde a Alara se encontra sediada) vindos de todo o mundo.

Dong Liang, China

A Dong Liang dedica-se à promoção e venda de peças de designers emergentes no panorama chinês. Fundada em Pequim, em 2009, por Tasha Liu, Charles Wang e Lang Nan, a Dong Liang tem-se expandido a partir de um pequeno espaço de 20 metros quadrados no bairro moderno de Wudaoying Hutong para um segundo local, em Xangai, tendo transferido a sua sucursal de Pequim para o luxuoso Central Park.

Há seis anos, quando o conceito de loja multimarca foi pela primeira vez lançado, a compra de merchandising desenhado exclusivamente por designers chineses era algo revolucionário. Na época, o respeito pelo talento doméstico era limitado e muitos assumiram um mercado que simplesmente não existia. Mas, Liu, Wang e Nan viram uma oportunidade. «As pessoas só podiam ver as roupas de marca locais em revistas, mas não havia canais disponíveis para a sua compra», revela Liu.

Disponibilizando designers chineses progressistas, como Uma Wang, Xander Zhou e Vega Zaishi, a Dong Liang tem sido fundamental na mudança de atitudes, ganhando terreno como boutique preferida entre os consumidores chineses e expatriados conhecedores de moda. «Os consumidores chineses pretendem vestir-se de forma diferente, chique e decente – e estão dispostos a pagar para se destacarem», afirma Liu. «Todos os nossos produtos são cuidadosamente selecionados de marcas que consideramos que melhor representam o design chinês», garante.

A Dong Liang definiu o cenário e o ritmo de uma sucessão de outras boutiques multimarca em todo o Império do Meio, que se inspiraram na sua abordagem e espírito, como a New China e a Dressing For Fun, enquanto os célebres grandes armazéns Lane Crawford também começaram a incluir algumas marcas chinesas.

Num mercado em que as boutiques multimarcas permanecem relativamente escassas, a Dong Liang emergiu como uma entidade importante, atendendo a uma procura crescente de boutiques com um forte ponto de vista e uma valorização de marcas independentes entre uma nova geração emergente de grandes cidades na China.

Silver Deer, México

Depois de detetar uma oportunidade de criação de um retalhista multimarca masculino no mercado mexicano, onde trabalhava, Robert Hirsch, um banqueiro de investimentos canadiano, fundou a Silver Deer em 2012. Embora muitas das principais marcas globais já tivessem entrado no México, existiam ainda poucos retalhistas de luxo que servissem o número crescente de homens mexicanos que não se veem refletidos na visão unidimensional das grandes marcas.

Hirch pretendia estabelecer a Silver Deer como um mostruário e um lugar para educar os clientes de moda masculina abastados que foram habituados a uma dieta restrita de Gucci, Louis Vuitton e marcas similares. «O México – o maior mercado de bens de luxo da América Latina – é dominado por experiências de compras de monomarcas com oferta limitada», afirma Hirsch. «Quando se trata da forma de vestir, os homens mexicanos são, habitualmente, conservadores, de baixo risco e não têm conhecimento dos designers e tendências emergentes. Por isso, era importante enviar uma mensagem clara de que o que estava em falta era uma loja conceito masculina», explica.

A loja de design impecável, que muda o layout e merchandising de duas em duas semanas, oferece marcas internacionais como Thom Browne, Acne Studios, APC, Orlebar Brown e Common Projects, a par de livros, produtos de barbear e artigos de decoração. «Desde a abertura da Silver Deer, a minha filosofia tem sido “comprar luxo pelo estilo, não pelo estatuto” e isso tem ecoado profundamente em todo o mercado. Alguns dos consumidores que visitam a loja, chegam vestidos de Louis Vuitton ou vestem-se integralmente de uma grande marca. O que proponho é algo diferente do que têm visto», revela Hirsch.

The Papilion, Indonésia

Lançada em 2006, no distrito de Kemang, em Jacarta, The Papilion é uma das poucas retalhistas multimarca inteligentemente posicionadas na Indonésia, um país com grande potencial no mercado de luxo do Sudeste Asiático. «Numa sociedade coletivista, tal como esta, existe uma grande preferência pelas normas e valores sociais fortemente estabelecidos, com os quais os indivíduos deverão estar em conformidade. Esta mentalidade de rebanho é muitas vezes conduzida pelo que está na moda, ao invés do que está para vir, muitas vezes resultando numa excecional falta de gosto e estilo», sustenta Jeremy Quek, diretor de marketing do grupo. Foi essa frustração face às normas de mercado que inspiraram o lançamento da boutique.

The Papilion espelha o panorama de retalho emergente da cidade com uma visão sofisticada e provocante, que atende aos padrões de algumas das melhores boutiques de luxo de todo o mundo. Além de uma seleção de marcas avant-garde, como Comme des Garçons e Junya Watanabe, o formato exclusivo integra moda, artigos para o lar e uma variedade exigente de espaços de restauração – incluindo o famoso pasteleiro holandês Huize van Wely e o restaurante Shy, que construiu uma reputação baseada nas suas impressionantes tapas japonesas –, tudo no mesmo edifício.

«The Papilion orgulha-se de ser uma marca doméstica, ainda que sejamos muitas vezes confundidos como uma operação franqueada internacional. Enquanto fornecedores de individualidade, ecletismo e urbanização, vendemos artigos que os nossos clientes não podem encontrar noutro lugar, simultaneamente mostrando ao mundo um outro lado da Indonésia», acrescenta Quek.

Emporium, Azerbaijão

Enquanto um dos primeiros grandes complexos comerciais do Azerbaijão, o Emporium tem sido capaz de sensibilizar o lucrativo mercado nacional para um novo ponto de vista, por vezes radical da moda, arte e cultura, a que muitos moradores não tinham acesso. Excecionalmente para a região do Cáucaso, a loja dispõe o seu merchandising de moda num contexto criativo e estilo de vida mais abrangente, colocando-o a par de livros de arte, revistas internacionais e música europeia.

A Emporium foi criada em 2005 pela retalhista Sinteks, uma empresa que também opera mais de 40 lojas internacionais monomarca de design dispersas por toda a capital do país, Baku. Abrangendo três andares, a loja propõe 250 marcas mundiais de prestígio, como Sacai, Yigal Azrouel e Derek Lam, e casas célebres como Givenchy, Balmain e Alaïa, a maioria das quais não se encontravam anteriormente disponíveis no país.

Devido à crescente reputação dos seus principais consumidores, à medida que estes embarcam em viagens de compras pela Europa, Moscovo e Dubai, o Azerbaijão tem marcado presença no radar da moda ao longo dos últimos anos. Porém, apesar do número de pessoas afluentes ter mais do que duplicado nos últimos cinco anos, de acordo com a Euromonitor, diversas marcas de luxo hesitam em expandir no mercado até que a inauguração do Emporium lhes forneceu uma orientação

Bungalow 8, Índia

«Tendo vivido fora da Índia por mais de uma década, senti-me um estranho quando regressei em 2002. Eramos rotulados de preservacionista ou de modernistas, de artesão ou designer. Mas eu senti-me muito indiana, ainda que internacional. Eu gostei de partes do Oriente, bem como do Ocidente; das bases e do glamour, do artesanato e da costura, do local e global», conta Maithili Ahluwalia, que fundou a Bungalow 8 em 2003. «A Bungalow 8 nasceu muito desta necessidade, do desejo de ser livre face a essas caixas rígidas».

Sediado sob o famoso estádio de críquete Wankhede em Bombaim, o Bungalow 8 reflete a sensibilidade diversa de Ahluwalia. Com a sua seleção de vestuário, têxteis, artesanato e móveis provenientes de comunidades indígenas na Índia, bem como outras no exterior, em cidades como Bangkok, Marraquexe e Paris, a loja de moda é um dos exemplares mais próximos do conceito de uma loja global na Índia.

 

Dado o crescente apetite da Índia por marcas de luxo – o Euromonitor prevê que o mercado duplique para 5,6 mil milhões de dólares até 2019 – o país tem testemunhado o aparecimento de algumas lojas multimarca de luxo interessantes, como a Bombaim Electric e a Le Mill.

Mas o que faltava era «o sentimento de orgulho e confiança nas nossas próprias tradições, quer na sua estética como ideologia», advoga Ahluwalia, cuja loja é uma solução para os consumidores indianos, enquanto mostruário do design indiano. A par de uma marca interna concebida por Mathieu Gugumus Leguillon, o espaço vende as marcas locais Lovebirds, Rajka, Injiri, Aish e Anavila. Ahluwali incentiva os clientes a explorarem o artesanato indiano através das suas linhas de curadoria. «Eu senti que devia parar de imitar o Ocidente e desenvolver uma linguagem para nós próprios», conclui.