Os contrabandistas reúnem os seus produtos pela calada da noite. Multidões movimentam-se sub-repticiamente em barcos atracados ao longo de Dubai Creek. Discutem em voz baixa, em código, usando uma antiga mistura de árabe e persa que revela o destino do seu contrabando. Uma vez ultrapassada a patrulha fronteiriça dos Emirados Árabes Unidos (EAU), uma economia paralela aguarda-os.
Poucos episódios ilustram de forma tão clara a procura reprimida por bens ocidentais testemunhada em território iraniano. Os amontoados de pasta de dentes de marca, camisolas, computadores e bolsas que cruzam o Golfo Pérsico a partir do Dubai são uma ocorrência regular e um segredo aberto nesta região. Decorreram várias décadas desde que os EUA impuseram, pela primeira vez, sanções ao Irão, conduzindo a uma adesão posterior da ONU e da União Europeia, culminando num bloqueio económico ao país. Com a maioria das empresas ocidentais impedidas ou desencorajadas de efetuarem negócios neste mercado de 80 milhões de pessoas, as sanções fizeram do contrabando o modo de vida de uma geração.
Depois de um período de isolamento longo, e por vezes hostil, o Irão contemporâneo é desconhecido para a maioria das empresas multinacionais. Apenas detalhes podem ser esboçados sobre este mercado, mas os líderes empresariais reconhecem o potencial do Irão. Com a conjugação adequada de reformas políticas e económicas, alguns acreditam que este mercado poderá ser uma mina de ouro para as marcas de consumo do Ocidente. A indústria da moda mostra-se também entusiasmada mas, ainda assim, igualmente impreparada.
Fora do alcance
«A maioria de nós tem lidado com iranianos afluentes em Paris, Londres e Los Angeles por muito tempo, mas não me refiro à diáspora ou aos exilados», explica o diretor de marketing de uma marca de luxo europeia, que aceitou comentar sob a condição de anonimato. «Refiro-me a uma nova geração glamourosa de iranianos afluentes, sediados no Irão aqueles que se dirigem ao Dubai e a Istambul e gastam fortunas nas nossas lojas locais. Todos se aperceberam disto», acrescenta.
Há dois anos, o Presidente Barack Obama apresentou propostas que tinham por objetivo terminar o impasse sobre o programa nuclear do Irão, uma iniciativa que poderia conduzir, eventualmente, ao levantamento das sanções. Agora que o Irão e o Ocidente parecem mais perto de um acordo do que nunca, as empresas mundiais refletem sobre como, eventualmente, aceder ao mercado.
De acordo com um relatório do Frontier Strategy Group, que assessora empresas sobre a abertura gradual do Irão à economia global, o futuro está, ainda, repleto de obstáculos. As marcas internacionais devem gerir as expectativas até ao início do próximo ano, altura em que haverá maior clareza por parte da Agência Internacional de Energia Atómica do Irão sobre a adesão a um acordo e o efeito geopolítico que se seguirá.
Para aqueles que já encaram o Irão como um mercado de moda promissor, a expectativa acumula-se. Os sectores de moda e de luxo serão particularmente beneficiados face a outras indústrias, já que muitas marcas populares são de origem europeia. Como tal, não enfrentarão as barreiras secundárias antecipadas pelas marcas americanas, mesmo depois das sanções terem sido aliviadas.
«É uma provocação, porque ainda não podemos aceder aos clientes iranianos em Teerão e sabemos que será inaugurada a temporada assim que as sanções forem totalmente levantadas, mas não nos podemos preparar verdadeiramente por enquanto», adiantou o diretor da marca de luxo.
Ao longo dos anos, a elite iraniana tem crescido em consequência das exportações de petróleo para países não vinculados pelas sanções, como a China. Simultaneamente, a sua classe média urbana é jovem, educada e, cada vez mais, alimenta um desejo por marcas de moda ocidentais, apesar da continuação das tensões políticas e ideológicas com o Ocidente.
«Alguns dos nossos produtos enviados para a região são desviados para o mercado negro do Irão e vendidos para boutiques de retalho em diversos novos centros comerciais que estão em construção, mas nós, simplesmente, não podemos intervir. É desesperante porque o ambiente de negócios nesse local é, ainda um pesadelo para os que vêm de fora».
Esses sentimentos são comuns entre os executivos sediados em capitais de moda europeias. No entanto, algumas marcas de moda intrépidas, como a Escada, Benetton e Mango, conseguiram penetrar as barreiras legais, operacionais e burocráticas do Irão, acedendo ao seu mercado.
Tendo encontrado uma forma de passar legalmente os seus lucros através das sanções do sector bancário iraniano, que estão na origem da elevada volatilidade da sua moeda, estas marcas são uma exceção. O Irão encontra-se de tal forma mal posicionado no ranking de facilidade em fazer negócios elaborado pelo Banco Mundial (130 de 189 países), que não é de admirar que a maioria das marcas continue a aguardar sinais mais tangíveis de estabilidade antes de se aventurar em joint-ventures no Irão. Um mero degelo das relações não é suficiente.
«Demorará algum tempo e as coisas ainda estão muito incertas. Em primeiro lugar, as sanções só podem ser levantadas após a obtenção de um acordo e apenas depois disso poderemos ver quem tem um maior apetite pelo risco», considera Araz Fazaeli, um jovem empresário iraniano, sediado em Paris, que lançou a sua marca de moda epónima na sequência de um blog de estilo bem sucedido, intitulado The Tehran Times.
Universo paralelo
No entanto, enquanto a indústria aguarda, um universo paralelo, surreal e desconcertante começou a envolver novas infraestruturas de retalho no Irão. Localmente, emergem diversas lojas que aparentam ser marcas de fast fashion algumas mais convincentes do que outras podendo ser encontradas em centros comerciais iranianos, embora a maioria dessas marcas não opere no país.
«Seria inteligente da parte das marcas internacionais, como a Zara e a H&M, entrarem [o mais rapidamente possível] não apenas em consequência disso, mas porque os seus preços serviriam a maioria iraniana e são culturalmente menos desafiadores», acredita Fazaeli.
Existem, também, relatos de que cartazes gigantes que anunciam marcas de luxo, como Louis Vuitton, podem ser encontrados nas ruas de grandes cidades iranianas. Não é claro se os outdoors são falsificados ou cópias de mercados próximos, numa tentativa de direcionar o tráfego para mercadoria contrabandeada. Quando contactado sobre o assunto, um porta-voz da empresa-mãe da Louis Vuitton confirmou que «as marcas da LVMH não estão presentes no Irão e que o grupo não está preocupado com a questão».
«O mercado negro serviu o Irão durante um longo período de tempo através da Turquia, geralmente através de Tabriz, e da China também, naturalmente. Alguns bens são falsos, mas alguns são mercadoria genuína de fim de stock. As lojas que possuem artigos Louis Vuitton [adquirem os cartazes] de alguma forma e colocam o nome da sua loja ao lado dele, mas nunca sabe o está a receber», explica Fazaeli.
«Em última análise, as pessoas compram o que corresponde ao seu orçamento, pelo que os artigos genuínos e falsos vendem-se de forma equivalente. Os jovens iranianos não querem apenas o sonho de moda [ocidental]; eles querem realmente vivê-la. Isso significa usar as marcas, de uma forma ou outra», acrescenta.
Embora a maioria dos artigos de moda que são transportados do Dubai para as ilhas de trânsito iranianas, como Kish e Qeshm, sejam falsificados, alguns itens lícitos passam os EAU, beneficiando do estatuto de reexportação. De acordo com fontes internas, as transportadoras de zonas de comércio livre no Dubai, como o porto de Jebel Ali, enviam regularmente mercadoria para zonas iranianas de comércio livre, localizadas no outro lado do Golfo, como a de Bandar Abbas.
A reexportação de bens operada desta forma permite que os itens originais de marcas internacionais de moda contornem as sanções internacionais, lavando-os do seu destino final. É uma lacuna que permite, também, que os comerciantes evitem os impostos e encontrem uma rota para os entusiastas consumidores iranianos, sem a autorização, conhecimento ou controlo das marcas internacionais.
Na segunda parte do artigo será abordado o interesse e procura crescentes por artigos de moda ocidentais em território iraniano e a resposta do mercado à anulação das sanções comerciais e económicas, cujo poder de compra revela um enorme potencial para as marcas internacionais.