Início Arquivo

A marca do desassossego

As “mega” marcas como Gucci e Louis Vuitton também sofreram de uma lassitude de produtos pouco exclusivos, particularmente na China, onde a clientela do luxo tonou-se mais sofisticada. Mas a performance da marca italiana, principal motor dos lucros do conglomerado do luxo Kering, revela-se abaixo da das suas rivais, consequência, segundo as palavras de analistas e investidores, de um reposicionamento drástico que não respondeu às expectativas dos clientes, da falta de criatividade e de uma rede de distribuição pouco atrativa. «Os consumidores sentem um grande desejo de criatividade e originalidade. Comparada com a Chanel, Dior ou Louis Vuitton, a Gucci é a marca que surpreende menos», justifica Serge Carreira, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. A Gucci, antes da Louis Vuitton, optou pela subida de gama. O seu CEO, Patrizio di Marco, decidiu em 2009 reposicionar a marca, considerada demasiado exposta às bolsas cravejadas de logos, assim como recuperar o controlo da distribuição. A mudança foi radical. Em cinco anos, os produtos monogramados, que representavam 90% das vendas em 2009, caíram para 37%, e o preço médio das bolsas aumentou 9% ao ano. A Gucci perdeu assim o lugar, na entrada de gama, para os especialistas do luxo acessível, como as americanas Kate Spade e Michael Kors ou a francesa Longchamp. Consumidores desfasados Ao mesmo tempo, os clientes não acompanharam a subida de gama, em especial os chineses, que representavam 30% das vendas da Gucci. «Os clientes da marca provavelmente não são para bolsas a 2.000 euros», admite um analista, sob condição de anonimato, para quem «a estratégia da Gucci não está em linha com as expectativas dos clientes». Outras marcas, como a Mulberry, também conheceram aumentos de preços desfasados do reposicionamento da marca. Em comparação, a Louis Vuitton, de acordo com os especialistas, gere melhor a transição. Apesar de subir de gama com uma nova oferta de bolsas em couro a preços superiores a 2.000 euros, a principal marca do grupo LVMH não descura a sua tela monograma, que ainda representa cerca de 60% das vendas de bolsas. A entrada de gama, que permite conquistar novos clientes nas classes médias emergentes, é ainda objeto de uma atenção especial. A Louis Vuitton acaba de lançar uma edição limitada de bolsas com o icónico monograma “LV” em colaboração com o arquiteto Frank Gehry, autor da Fundação Louis Vuitton, ou a fotógrafa Cindy Sherman. Num ambiente cada vez mais concorrencial, marcado por menos barreiras à entrada, uma forte criatividade vinca também a diferença, como prova o sucesso da Saint Laurent, outra marca do grupo Kering, cujas vendas dispararam desde a nomeação de Hedi Slimane como diretor criativo. Na Chanel, o know-how de Karl Lagerfeld permite à marca manter um crescimento de dois dígitos, segundo as estimativas de um especialista do sector. A Gucci, por sua vez, sofre de falta de atratividade. Um problema chamado Frida Para Luca Solca, analista do Exane BNP Paribas, a Gucci «parece ter dificuldades face à concorrência». Ainda mais incisivo, um gestor de ativos que pediu anonimato afirma que a Gucci deve simplesmente «resolver o problema da sua designer» Frida Giannini, diretora criativa desde 2006 e companheira do CEO Patrizio di Marco. «A marca perdeu a sua identidade moda, não é suficientemente diferenciadora. Tornou-se aborrecida», explica. O CFO da Kering, Jean-Marc Duplaix, assegurou aos analistas em outubro que «as novas linhas Swing e Bright Diamante foram muito bem recebidas e devem reforçar a posição da Gucci, quando a procura e o tráfego retomarem, nomeadamente na China». A marca, também aí, perde na comparação com a Louis Vuitton que, com a chegada de Nicolas Ghesquière, artífice da renovação da Balenciaga (outra marca da Kering), ganhou, segundo os observadores, um novo fôlego no design e no tráfego em loja. Também aqui, a Gucci sofre. A marca italiana, que retomou o controlo da sua rede de distribuição e realiza atualmente 80% das vendas nas lojas próprias (contra 70% em 2009), deve ser desejável para gerar tráfego. «O sucesso dos novos produtos depende, em parte, da qualidade da rede de distribuição e, deste ponto de vista, a Louis Vuitton tem as melhores localizações e as maiores lojas», reconhecem os analistas do Barclays. A longo prazo A Gucci possui 485 lojas em todo o mundo. Com uma entrada tardia na China face às rivais, a marca abriu lojas em um ritmo frenético, em “shoppings” por vezes inadequados ao luxo, e só agora nomeou um novo diretor para o país, vários messes depois da partida do anterior. Questionadas, a Kering e a Gucci recordam que o reposicionamento da marca inscreve-se no longo prazo, que o processo de renovação das lojas (58% da rede adotou o “conceito” Frida Giannini) está em curso e que a Gucci continua ainda a ser penalizada pela redução deliberada das entregas a alguns distribuidores. «Os resultados (do reposicionamento) são convincentes, sobretudo no Japão, onde a marca está totalmente em sintonia com a clientela, e nos Estados Unidos, onde o reposicionamento está sobre rodas», afirmou Duplaix em outubro. Mas num sector onde os custos fixos são muito elevados, associados nomeadamente às redes de lojas, o crescimento das vendas é crucial para preservar as margens. A Gucci, que representa 65% da rentabilidade operacional da Kering, viu as suas vendas diminuírem 1,3% nos primeiros nove meses do ano, após uma subida de 2,2% em 2013 A Louis Vuitton também estagnou, mas menos significativamente. O seu crescimento, em desaceleração contínua desde 2012, caiu para menos de 3% ao longo dos primeiros nove meses de 2014. Outras como a Hermès, graças ao seu atrativo, e a Burberry, graças ao comércio eletrónico, continuam a registar crescimentos de dois dígitos.