O consumidor indiano tem agora muitas decisões a tomar. Independentemente do produto-tendência que pretende adquirir, seja ele uma bolsa, um relógio, um carro ou um casamento luxuoso, assim como as tão badaladas férias, o leque de opções disponível é vasto. Um passeio pelo centro comercial Palladium, em Bombaim, o Emporio de Deli ou UB City em Bangalore é o suficiente para detetar uma clara e inequívoca transformação da Índia, que se afigura como o mais recente destino de luxo emergente.
A desconfiança está, também, a diminuir. Os estreantes neste sector, que antes se limitavam a apreciar as montras, ousam agora entrar nos espaços de retalho. Alguns adquiriram o seu item favorito: o primeiro par de jeans de luxo Diesel ou uma bolsa Louis Vuitton. É uma importante mudança de mentalidade, que deixa poucas dúvidas sobre a evolução antecipada para os próximos anos. Mais significativamente, estes hábitos começaram a estabelecer-se.
Os retalhistas de luxo concentraram-se, nos últimos dois anos, na sua consolidação e expansão gradual em território indiano. Paralelamente, ampliaram e aprofundaram o alcance da sua oferta. E, à medida que começam a conhecer melhor o consumidor indiano, têm aprimorado as táticas de marketing – ao invés dos produtos. Simultaneamente, estrearam-se, também, na entrega ao domicílio de produtos de luxo.
Não é, por isso, de admirar, que a Índia seja universalmente reconhecida como a última grande fronteira remanescente para o sector de luxo. Naturalmente, o mercado demorou algum um tempo a iniciar esta trajetória. A Índia está mais ou menos onde a China se encontrava em 2003, depois do aumento das vendas registado em território chinês. De acordo com um relatório elaborado pela KPMG, no âmbito da Cimeira de Luxo da Índia, relativa ao ano de 2014, o mercado de luxo indiano deverá crescer 18% ao ano, atingindo os 14 mil milhões de dólares em 2016.
O mercado de luxo indiano tem, pelo menos, uma década de atraso face ao da China, referem os especialistas. No entanto, os consumidores indianos começam, atualmente, a sentir-se confortáveis face à perspetiva de despenderem nas coisas boas da vida, acrescentam. A título de exemplo, Bombaim é o lar da maior secção de multimilionários da Índia. Neste âmbito, estão a ser construídos mais 500 apartamentos cuja faixa de preços supera os 40 a 50 milhões de rupias (uma rupia equivale a 0,014 euros), que deverão estar concluídos nos próximos três anos. Noutras cidades, como Deli e Bangalore, as habitações são igualmente luxuosas. As histórias de empreiteiros que voam para Itália para aí poderem escolher acessórios de cozinha e casa de banho, são conhecidas. Os apartamentos estão equipados com serviços de portaria, vista panorâmica e os melhores spas. «Estes são desenvolvimentos que o nosso país nunca viu antes e as pessoas aprenderam a gastar nas coisas boas da vida», reconece Vikas Oberoi, cuja empresa Realty Oberoi está a construir o centro Three Sixty West no centro de Worli, em Bombaim.
A oportunidade
Quem são os consumidores desta categoria de produtos que será responsável pela criação de receitas de 14 mil milhões de dólares no próximo ano? A KPMG divide-os em três tipologias: primeiramente, os HENRYs, os consumidores que auferem rendimentos avultados mas que não são, ainda, abastados. Este grupo inclui, habitualmente, profissionais jovens, conscientes da importância do status, que são o principal mercado-alvo das marcas de luxo, auxiliando na divulgação da mensagem e popularização da marca de luxo. Poderão ser responsáveis pela construção ou depreciação de uma marca, revelando-se extremamente leais no longo prazo.
Seguidamente, destaca os consumidores inesperados, que testemunham uma mudança repentina no seu estilo de vida devido a ganhos súbitos de riqueza. Esta melhoria das suas circunstâncias pessoais provém da venda de terras ou propriedades e pode ou não ser sustentável. Os beneficiários poderão ou não ter acesso a bens de luxo. Estes consumidores não se posicionam entre os segmentos prioritários dos comerciantes de marcas de luxo, podendo revelar-se consumidores volúveis. No entanto, em determinadas regiões do país, como Gurgaon por exemplo, são responsáveis por uma significativa percentagem de vendas de carros de luxo.
Por último, surgem os consumidores de famílias industriais afluentes, assim como os executivos. Estes são os consumidores mais exigentes, sendo viajados e bem versados nas últimas tendências de luxo. Sabem o que pretendem, mas estão dispostos a experimentar novos produtos. Estes são os clientes mais importantes para os comerciantes de luxo: detêm um poder de compra real, apontam os observadores.
Os números não são, de forma alguma, insignificantes. Os três grupos compreendem um total de 137.000 agregados familiares na Índia, de acordo com o “Top of the Pyramid 2015”, um relatório elaborado pela Kotak Wealth Management. A Kotak define as famílias de rendimentos elevados como aquelas cuja riqueza líquida supera os 10 milhões de rupias. O crescimento nesta categoria tem sido impressionante.
Em 2010, estes agregados familiares ascendiam a um total de 62.000. Face aos atuais 137.000, deverão representar um total de 348.000 agregados familiares em 2020. Este aumento, ao longo dos anos, tem sido consistente e de base ampla, segundo a Kotak. Isto significa que será apenas uma questão de tempo até que a oportunidade alcance um ponto de inflexão.
Trajetória atual
Darshan Mehta, diretora-executiva da Reliance Brands (que faz parte da Reliance Industries, proprietários da Network 18, responsável pela publicação da Forbes India), aponta as quatro etapas da evolução de um mercado de bens de luxo. «Primeiramente, existem as contrafações e as falsificações. Algumas partes da Índia e da China ainda estão nesta fase, na qual as pessoas usam imitações de relógios de luxo ou compram imitações de bolsas caras, uma vez que não podem pagar o artigo verdadeiro», explica.
A segunda etapa é a da ostentação de bens de luxo, afirma Mehta, e alguns consumidores indianos são propensos a esta tendência. Os mitos alusivos a donas de casa afluentes que nunca repetem uma bolsa nas festas que frequentam são comuns.
Na terceira etapa, as marcas começam a assimilar a cultura. Pelo que, um dia, a Armani poderá vender sherwanis ou até fatos safari.
A quarta etapa destaca-se pela perda de relevância dos bens de luxo. Isto acontece, atualmente, em algumas regiões do Japão e Europa Ocidental, assim como no contexto de famílias afluentes de várias gerações.
Por enquanto, as marcas de luxo beneficiam de uma situação estável na Índia. Por outro lado, estão também a aprender a adaptar-se ao consumidor indiano. Na marca Diesel, por exemplo, os gerentes de lojas foram capacitados para impulsionar as vendas, focando-se nos clientes fieis da marca. Há um ano, Deval Shah, diretor de negócios da Reliance Brands, percebeu que havia um mercado para os consumidores em cidades de menor dimensão, que evitam as lojas localizadas em cidades maiores: a Diesel está presente em 12 lojas, localizadas em sete cidades. Posto isto, lançou um serviço de compras domiciliárias e, em apenas um ano, 14% das vendas da marca são provenientes desta plataforma, revela a empresa. «Tentamos criar uma loja na sala do cliente», explica Anshuman Bhardwaj, diretor-regional da Reliance Brands. Os funcionários da loja traçam uma rota. Em Gujarat, visitaram 8 a 10 cidades ao longo de 15 dias, auferindo 10 milhões de rupias em vendas.
Um funcionário da Diesel transporta, também, produtos adjacentes, mas não concorrentes, como aqueles da marca Brooks Brothers, que também é comercializada na Índia pelo grupo Reliance Brands. Já venderam produtos em cidades tão diferentes como Agartala (Tripura), Bathinda (Punjab) e Imphal (Manipur). Embora nem todas as marcas considerem relevante a adoção de vendas domésticas, aguardam ansiosamente a inauguração de mais espaços de retalho de qualidade no país. Serão inaugurados alguns centros comerciais de luxo no país no decorrer dos próximos 18 meses. «Por enquanto, a expansão surge no segmento inferior de “bridge-to-luxury”» revela Mehta. Esta categoria é definida por marcas cujas peças de roupa custam menos de 10.000 rupias. A estabilidade da rupia – que tem sido transacionada entre 60 a 65 rupias por um dólar – tem contribuído positivamente para o sector, assim como a sua apreciação face ao euro, uma vez que uma percentagem substancial dos artigos de luxo é importada da Europa.
Em alguns casos, as marcas têm tomado medidas extraordinárias na tentativa de atraírem o consumidor. A BMW lançou um veículo série 1 a um preço de 2,9 milhões de rupias, fixando-o a par dos preços de alguns fabricantes de automóveis de marcas do segmento não luxo.
Transformações e abrandamentos
Embora a maioria dos observadores do sector de luxo antecipem um ponto de inflexão em breve, alguns advertem para a hipótese do mercado indiano crescer de forma diferente.
Radha Chadha, um analista independente do sector de luxo e autor do livro “The Cult of the Luxury Brand”, destaca a despesa crescente dos consumidores indianos em casamentos de luxo. E, embora os gastos em vestuário de luxo sejam elevados, estes direcionam-se, simultaneamente, para marcas nacionais e ocidentais. «Vejo uma propensão maior para a compra de roupas indianas do que ocidentais, especialmente entre as mulheres», acrescenta Chadha.
Marcas domésticas como Tarun Tahiliani, Sabyasachi Mukherjee e Ritu Kumar têm registado um rápido crescimento, ainda que a partir de uma base pequena. Existem, também, marcas indianas, como Forest Essentials, que vendem produtos de beleza ayurvédicos: a marca estabeleceu-se com tal sucesso que a casa Estee Lauder adquiriu uma participação de 20% da empresa em 2008.
Apesar do crescimento das marcas domésticas, a Índia está, ainda, distante da democratização do luxo – um contexto no qual um elevado número de pessoas possuiu pelo menos um artigo de luxo. «Em países como Hong Kong, Singapura e Coreia do Sul não é raro encontrar secretárias que possuam uma bolsa Louis Vuitton ou Prada», afirma Chadha. Nestes mercados, os consumidores de classe média representam uma percentagem maior de gastos de luxo, em comparação com os mais afluentes.
Para que a Índia emerja rapidamente como mercado de luxo, focado em marcas de vestuário ocidentais, a classe média nacional terá de aumentar a despesa efetuada em artigos do sector. De acordo com Chadha, isto deve-se, simultaneamente, aos baixos níveis salariais, assim como à mentalidade pouco preparada da classe média indiana.
A isto soma-se, ainda, a repressão face ao denominado “dinheiro negro”, que inibe as compras de artigos de luxo, acrescenta Darshan Mehta. Este aspeto tem sido particularmente pronunciado na cidade de Deli, assinalando-se uma diminuição significativa do número de visitantes no centro comercial DLF Emporio Mall. Os clientes de longa data preferem, agora, a entrega ao domicílio, insistindo para que os seus nomes e números de telemóveis sejam removidos da fatura. Simultaneamente, pedem que somas elevadas sejam divididas por frações inferiores a 50.000 rupias, de modo a que não sejam obrigados a divulgar os números PAN (Permanent Account Number).
Em 2013, a repressão da tradição de oferta de presentes, denominada “gifting” na China, conduziu a uma quebra de 20% das vendas de artigos de luxo. Embora seja improvável que o mesmo aconteça na Índia, o combate ao “dinheiro negro” representa um duro golpe para os retalhistas de artigos de luxo.
A desaceleração do mercado imobiliário nacional também reduziu a confiança do consumidor, pelo que as pessoas têm menos propensão para gastar, uma situação particularmente pronunciada no norte da Índia, aponta Mehta.
Porém, todos estes aspetos são pequenos percalços num caminho marcado pela prosperidade. A economia indiana alcançará os 10 biliões de dólares nos próximos 10 anos, equiparando-se à atual dimensão da China.
Esta é uma perspetiva que agrada aos fabricantes de artigos de luxo, tanto pela sua amplitude, como pela sua diversidade. A Índia posiciona-se, também, entre os últimos mercados em desenvolvimento a revelar tal potencial. Alguns denominam-na de “fronteira final”, uma que todas as marcas estão ansiosas por conquistar.