Numa entrevista concedida ao Portugal Têxtil a propósito da feira turca IFCO, Fernando Merino, cuja carreira passou, mais recentemente, pela ERT, revela os passos que estão a ser dados para impulsionar os têxteis técnicos em Denizli e faz a análise da situação da indústria têxtil e vestuário (ITV) na Turquia, nas suas várias vertentes, assim como o seu posicionamento face à portuguesa, que tem suscitado a admiração dos turcos, nomeadamente em feiras como a Heimtextil.
Foi convidado para formar e desenvolver um cluster têxtil em Denizli. Em que consiste o projeto?
O projeto de assistência técnica que estou a liderar tem como objetivo criar um centro tecnológico e um cluster orientados para os têxteis técnicos, envolvendo largas dezenas de empresas. É um projeto da responsabilidade da Câmara de Comércio de Denizli e é financiado pela União Europeia (UE), através do Ministério da Indústria e Tecnologia da Turquia, no âmbito do Programa Operacional Sectorial para a Competitividade e Inovação (CISOP). Em 1987, a Turquia candidatou-se à adesão ao que era então a Comunidade Económica Europeia (CEE) e em 1999 foi declarada elegível para aderir à UE. As negociações para adesão plena foram iniciadas em 3 de outubro de 2005 e, desde 2007, a UE presta assistência financeira à Turquia para aumentar a competitividade da economia turca, apoiando assim a sua convergência com a economia da UE e para reduzir as disparidades socioeconómicas regionais. No âmbito dos fundos estruturais concedidos pela UE aos seus Estados-Membros, na Turquia concede financiamento através de programas operacionais plurianuais de sete anos ao abrigo do Instrumento de Assistência de Pré-Adesão (IPA) no domínio da competitividade. O período atual é o IPA III (2021-2027) e, desde o início em 2007 até 2020, foram investidos 740 milhões de euros visando desenvolver uma estrutura produtiva competitiva orientada para a exportação e liderada pelo sector privado, aumentando a produtividade e acelerando a industrialização. Mais especificamente, a principal estratégia do CISOP é contribuir para a transformação da indústria transformadora nacional de forma a ajudá-la a subir nas cadeias de valor.
O projeto tem a designação de Transformação para os Têxteis Técnicos em Denizli e visa apoiar as empresas a entrar no mercado dos têxteis técnicos, com a determinação de criar condições de maior competitividade da indústria local numa perspetiva internacional.
Como está a ser operacionalizado?
Em números de projeto, e para além de dotar o Centro Tecnológico de Têxteis Técnicos de uma estratégia e de um modelo de gestão, estamos a falar de desenvolver, em três anos, pelo menos 44 ações de formação teórica e prática e nove seminários sobre múltiplas temáticas ligadas a materiais, produtos, tecnologias e inovação, entre outras, envolvendo especialistas turcos, mas também internacionais. É exemplo disso a colaboração que temos tido de Portugal através do CeNTI, do CITEVE e da Fibrenamics, não apenas em formação e em seminários, como também em consultoria no terreno. Desenvolvemos durante um ano uma atividade de consultoria à medida, com um grupo específico de 40 empresas, preparando-as para a entrada nos mercados dos têxteis técnicos. Temos também em curso estudos de benchmarking a nível internacional para posicionamento do Cluster de Têxteis Técnicos que estamos a desenvolver e para o qual estamos a desenhar um roadmap que conta já com iniciativas como a de ter deslocado recentemente 12 empresas para exposição na Techtextil em Frankfurt. Temos agendadas visitas a Portugal, Alemanha e Bélgica para visitar centros tecnológicos, clusters e feiras, mas também nacionais com os clusters automóvel, saúde e mobiliário turcos.
Sendo conhecedor profundo do mercado, quais são as mais-valias da ITV turca?
Segundo dados que eu consultei do European Innovation Scoreboard 2020, a Turquia tem boa prestação no domínio da inovação tecnológica não baseada em I&D, o que significa investimento em modernização tecnológica, patentes e licenciamento e lidera quando comparada com a UE. Também tem boa prestação em inovação nas próprias empresas quando considerados produtos e processos novos ou melhorados, mas depois está claramente abaixo da média europeia, e mesmo abaixo de Portugal, na capacidade de investir em I&D no sector público e privado, para estimular o crescimento e a competitividade, na colaboração das PMEs com terceiros, incluindo organizações nacionais e estrangeiras do sector privado e público, nas suas atividades inovadoras. Isto é, sofre de dores semelhantes às portuguesas, mas genericamente está uns pontos abaixo.
Mas é, ainda assim, uma ameaça para Portugal?
São os nossos principais concorrentes em têxteis-lar e, a par de Marrocos e Bangladesh, ameaçam-nos fortemente na confeção. Estamos a falar de um país gigante quando comparado com Portugal, onde se encontram regiões com diferentes especializações, onde para além de Denizli nos têxteis-lar, têm Gaziantep nos não-tecidos, Bursa, Koceli e İzmir nos têxteis para automóvel, próximos dos clusters do automóvel, e a confeção na região de Thrace, que compreende a zona europeia de Istambul e ainda Tekirdag, bem próximo, mas também nas regiões de İzmir e Eskişehir. A realidade que conheço melhor neste momento é a de Denizli, onde as empresas, e não apenas as de têxteis-lar, estão genericamente muito bem equipadas, existe capacidade de investimento e apoios do Estado através de organismos equivalentes aos de Portugal, como o IAPMEI, a Agência de Inovação e Agências de Desenvolvimento Regional, nomeadamente o KOSGEB, TUBİTAK e GEKA na Turquia. A vantagem de Portugal é que está claramente mais avançado nos domínios da inovação e do design. Recentemente ouvi aqui comentários de empresários que estiveram a expor na Heimtextil e estavam impressionados com Portugal, exatamente pelo que vem demonstrando ao nível da inovação, da qualidade e do cumprimento de prazos de entrega, o que os deixa claramente em posição mais desfavorável. Têm também outros obstáculos a vencer, nomeadamente na redução de relações de banho em tinturaria, na racionalização de consumos energéticos e na adaptação a menores séries de produção, o que ainda não é uma grande preocupação e que, por isso, nos confere maior competitividade para fornecer nichos de mercado de maior valor.
Em Istambul, durante a IFCO, foi apresentada a estratégia da ITV turca e um dos grandes objetivos é tornar a Turquia um grande gerador de marcas de moda. Acha viável que consigam aquilo que em Portugal há anos atrás foi apresentado como o caminho dos têxteis no país e que foi abandonado?