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Incertezas no sourcing

As dificuldades com os transportes, a legislação americana que impede as importações provenientes de Xinjiang e o impacto da burocracia nas trocas comerciais entre o Reino Unido e a UE deverão marcar o sourcing em 2022.

A recuperação dos choques económicos relacionados com o covid vai ter ritmos distintos nos diferentes mercados de consumo e regiões de sourcing, com os países com sistemas de saúde mais robustos e maior resiliência económica a terem melhores performances, aponta o estudo The State of Fashion 2022, realizado pela McKinsey & Company e pelo Business of Fashion.

Neste ambiente mais difícil, os players da moda com pegadas internacionais terão de analisar decisões de investimento com precisão, reavaliando regularmente as condições locais ao mesmo tempo que procuram mitigar riscos específicos do mercado.

Como destaca o estudo, a indústria da moda depende de uma rede complexa de cadeias de sourcing mundiais que estão a registar níveis de pressão e disrupção sem precedentes. «Com impasses logísticos, aumento dos custos de envio e escassez de vários tipos a somarem novas camadas de complexidade, as empresas têm de repensar as suas estratégias de sourcing, ao mesmo tempo que implementam uma gestão avançada de cadeia de aprovisionamento e aumentam a flexibilidade para manter os produtos a chegar de acordo com a procura dos consumidores no próximo ano [de 2022]», afirma.

Estes desafios, aponta o The State of Fashion 2022, vão intensificar-se este ano, com o aumento mundial na procura a chocar com pressões imprevisíveis nos serviços de frete, portos e terminais. Há ainda a preocupação que os elevados níveis de disrupções e aumentos de preço se mantenham durante bastante tempo ou até se tornem o novo normal na indústria da moda. «A minha opinião é que estas frustrações vão continuar, pelo menos, até ao segundo semestre [de 2022] ou mesmo até 2023», antecipa Joseph Phi, diretor-executivo de gestão da cadeia de aprovisionamento da Li & Fung, no estudo.

Impacto do Brexit

Além das questões logísticas, as empresas de produção de moda e de logística enfrentam outros desafios. A UE, por exemplo, está a propor legislação com um imposto de carbono e novas restrições para as emissões gasosas por parte dos navios e, este mês, começou a aplicar definitivamente o acordo de comércio com o Reino Unido resultante do Brexit, que implica mais burocracia.

[Unsplash/IanT aylor]
Recentemente, a Euratex, a confederação europeia dos têxteis e vestuário, mostrou que o Brexit tem tido um impacto negativo tanto para as empresas do Reino Unido como para as pertencentes ao espaço económico comum e alertou para um possível agravamento da situação. «Desde 1 de janeiro, estão a ser implementados controlos completos nas alfândegas. Isso significa que as regras de exportação e importação se tornaram mais intransigentes: os produtos devem ter já uma declaração válida e recebido a aprovação alfandegária.

As exportações do Reino Unido para a UE têm agora de ter declarações do fornecedor e os códigos dos produtos mudaram», referiu, apelando a uma maior cooperação política dos dois lados para responder, resolver e eliminar as questões relacionadas com o acordo comercial, que atualmente estão a travar o fluxo comercial entre os dois lados do Canal da Mancha. «Estão a causar perdas consideráveis para as empresas têxteis, tanto da União Europeia como do Reino Unido», garantiu a Euratex.

Xinjiang muda o jogo

Fora da Europa, mas com impacto também no continente europeu – e no resto do mundo – está a situação da China, com os EUA e a UE a definirem novas regras para a entrada de produtos produzidos na região de Xinjiang, alegadamente um centro de trabalho forçado.

Há quem esteja a apostar noutros mercados de sourcing, nomeadamente o Vietname e o Bangladesh, que embora estejam a crescer – em 2020 o Vietname tornou-se o segundo maior exportador mundial, com uma quota de 6,4%, equivalente a 29 mil milhões de dólares, seguido do Bangladesh, com 6,3%, representando 28 mil milhões de dólares – estão ainda longe da China, que em 2020 tinha uma quota de mercado de 31,6%, apesar desse valor refletir já uma queda de 7% face ao ano anterior.

[©AFP]
A somar a isso, refere Bob Antoshak, um consultor da indústria citado pelo Just Style, o Vietname, «embora tenha feito grandes progressos para se tornar num grande fornecedor de vestuário, tem o seu crescimento limitado pelo facto de apenas ter disponível um número limitado de trabalhadores, porque é um país pequeno» e o Bangladesh apresenta desafios ao nível da qualidade e instabilidade laboral.

Outros potenciais países produtores, como Myanmar e a Etiópia, têm enfrentado problemas de instabilidade política, económica e social, enquanto no Camboja, a pandemia teve efeitos devastadores na indústria de vestuário, obrigada a parar frequentemente por surtos do vírus.

Nearshoring mais perto

O tema do nearshoring e onshoring continua em cima da mesa em 2022 e, segundo o State of Fashion 2022, várias empresas europeias duplicaram os seus esforços de nearshoring durante a pandemia, transferindo a produção têxtil da China para a Turquia para minimizar os atrasos. Além disso, mais de 70% das empresas planeiam aumentar a sua quota de produção para próximo da sua sede e quase 25% pretendem aproximar a produção do país onde estão sediadas.

[©Xinhua/Zhang Haoran]
Ainda assim, a China deverá manter a sua posição como produtora do mundo. «A China continua a oferecer bom valor e qualidade e vai continuar a fazê-lo», indica Bob Antoshak. «O preço continua a ser um fator essencial para muitas empresas de sourcing. E o preço e a qualidade da China mantêm o país como o principal centro de aprovisionamento para vestuário a nível mundial», acrescenta.

Para o consultor, «o futuro da China vai ser fortemente determinado pela evolução da pandemia mundial, pela distribuição, pelo aumento dos custos de produção internos, pela continuação das taxas punitivas, pelo ataque do Ocidente em relação às questões laborais em Xinjiang e, por último, pelo sucesso dos países concorrentes mais próximos dos mercados de consumo».