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L de Luxo – Parte 1

O panorama do luxo está a mudar. Não existe apenas uma definição mas várias. Explorando o conceito de luxo, o WGSN define a sua presença no mercado atual e as suas várias conotações.

Herança

O conceito de herança é sinónimo de luxo. Porém, com a constante oscilação das tendências de luxo, transitando continuamente de uma para outra, as marcas devem ponderar a evolução dessa herança.

Convidado a participar na edição anual da Conferência de Luxo Internacional da Condé Nast, Leonardo Ferragamo, filho do designer Salvatore Ferragamo, afirmou que a preservação da consciência de herança é a sua principal prioridade. «O meu pai deixou-nos muito. O nosso desafio é sedimentar esse orgulho presente na nova geração e preservá-lo dentro da marca. A herança é a base a partir da qual pretendemos transportar a nossa visão para o futuro», explicou.

Uma das técnicas utilizadas pela Salvatore Ferragamo na transmissão da herança ocorre por meio do seu atelier em Florença, onde os clientes mais importantes são convidados a testemunhar em primeira-mão o legado da marca. O Museu Ferragamo é outro veículo de transmissão, através do qual os clientes podem comprovar o sentido da marca e a sua história profundamente enraizados. A diretora Stefania Ricci sustenta que «através do museu podemos explicar o mito da Ferragamo e a história subjacente a cada sapato».

Frédéric Cumenal, CEO da Tiffany & Co., também acredita no legado do luxo. Também presente no evento organizado pela Condé Nast, defendeu que «no luxo, falamos sobre a herança e a história e não existe nenhum atalho – também não existe qualquer aplicativo que sustente essa dinâmica. A herança é a essência do que somos».

Qualidade

O luxo significa investir tempo e energia nos processos manuais. A conjugação do fator tempo com a dedicação permite criar produtos excecionais. Como o museu londrino V&A explicou sobre a sua mais recente exposição – “O que é luxo?” –, «a produção de luxo representa um investimento de tempo. Isto não se aplica apenas ao tempo despendido na conceção dos objetos, mas também no processo de aperfeiçoar as capacidades. Os fabricantes do luxo são inspirados pela paixão e curiosidade pela natureza complexa dos objetos, o potencial dos materiais e técnicas complexas. Esta motivação subsiste, frequentemente, além das exigências do mercado».

Um bom exemplo deste tipo de manifestação despojada, movida pela paixão ao invés da procura do mercado, é a peça “Golden Fleece”, desenvolvida por Giovanni Corvaja. A confeção desta peça necessitou de 2.500 horas, na sequência de um período de 10 anos, durante o qual o artista se dedicou a aperfeiçoar a técnica de transformação do ouro em fio. A Vacheron Constantin, a mais antiga fabricante de relógios de luxo, promove o mesmo tipo de abordagem, pautada por uma qualidade excecional. São necessários 17 anos para que os aprendizes da casa sejam reconhecidos como mestres, demonstrando as etapas minuciosas adotadas pela empresa na garantia da precisão dos seus objetos de relojoaria. Ambos os exemplos demonstram que quando os designers e marcas investem na qualidade, o luxo surge naturalmente.

Exclusividade

A confeção sob medida significa algo especial, incomparável e sem igual. O arquiteto e designer de interiores Nigel Coates advoga que «primeiramente, é necessário dispensar todo o material que afirma ser de luxo, mas que, claramente, não o é, e concentrar-se na exclusividade, beleza excecional, singularidade e confeção personalizada. Estas qualidades irão suportar e superar as mudanças culturais».

Numa tentativa de ofuscar o mercado de massas, as marcas de luxo estão a reinterpretar o conceito de customização. A Savoir Beds criou recentemente uma cama giratória destinada ao proprietário de um castelo francês, que pretendia apreciar a vista de todos os ângulos, enquanto a Le Labo transformou a compra de perfumes numa experiência sob medida. Os seus perfumes são produzidos à mão e individualmente preparados no local, no momento da compra. Os clientes podem batizar o perfume e este é de tal forma único que não pode ser copiado. Como o próprio fundador, Fabrice Penot, explica, «o objetivo da Le Labo é tornar a vida mais bonita».

O prazer reside no processo. O luxo é uma viagem sob medida. Os especialistas preveem que, no futuro, as marcas terão de ir ainda mais longe. A TBC é um conceito de marca que encara as joias como um serviço em constante evolução: um processo a ser continuado, no âmbito do qual os clientes retornam à loja para remodelarem o produto adquirido, adaptando-o aos vários estágios das suas vidas. Este conceito demonstra que o luxo implica uma adaptação sob medida, no momento e ao longo do tempo.

Experiência

A experiência é relevante. É o novo motor da indústria. Os indivíduos valorizam, cada vez mais, as experiências únicas, em detrimento dos objetos de luxo, preferindo despender o seu dinheiro em algo que possam vivenciar, ao invés de simplesmente adquirirem um produto.

Talvez por estarem agastados com as convencionais formas de luxo, os mais afluentes procuram agora experiências originais e pouco frequentes. O foco transitou da posse de um produto de luxo para a vivência de um momento luxuoso. A publicação The Economist conta que «David Leppan, um milionário nascido na África do Sul, não está particularmente interessado no luxo convencional, mas considerou que um recital de Plácido Domingo no palácio Alcazár, em Sevilha, organizado pela NetJets, uma empresa que aluga aviões privados, era praticamente impagável».

Num momento em que as experiências adquirem uma importância crescente no seio do sector, as marcas de luxo devem ponderar novas formas de transformarem a oferta em experiências, numa abordagem que supere a barreira do bem material, criando um momento memorável.

«Não só as experiências proporcionam uma maior felicidade aos seres humanos face aos bens materiais, mas, também, tornam os outros mais recetivos ao que temos a dizer. Simplificando, os nossos amigos preferem ouvir-nos falar sobre a maratona de gelo que corremos, ao invés do par de Louboutins que adquirimos», explica Ana Andjelic, colunista do Luxury Diary.

Sustentabilidade

No passado, o luxo era sinónimo de extravagância. Atualmente, o luxo é mais despojado, adquirindo um cunho prático, focado na subsistência do planeta. Tom Ford mencionou essa transformação em 2007, quando defendeu que o luxo devia ser sustentável. «Esse deve ser o símbolo de status», afirmou Ford, explicando que o conceito de novo luxo é a capacidade «de disfrutar de coisas que não têm um impacto destrutivo sobre o planeta e a sua população».

A palavra sustentabilidade está, hoje, firmemente estabelecida no léxico do luxo. Os arranjos são considerados bonitos, a reciclagem pressupõe uma história e a transformação de algo velho em algo novo tem conferido integridade e profundidade ao sector do luxo.

Os vasos em exposição no museu londrino V&A – a propósito da mostra “O que é o luxo?” – são subprodutos da indústria de smartphones, ilustrando a quantidade de resíduos gerados na produção de um dispositivo dessa categoria, de um laptop e de uma célula de uma bateria automóvel. Representando a nova mentalidade emergente, estes três objetos pretendem refletir sobre o atual comportamento de compras excessivo e os excedentes que daí resultam.

No futuro tornar-se-á menos apropriada a promoção do desperdício e do consumo desenfreado. Ao invés, as marcas terão de desafiar as ideias preconcebidas do sector do luxo, colocando um ponto final ao que é excessivo e não-essencial, à media que a as soluções sustentáveis adquirem uma importância cada vez mais preponderante.

A segunda parte do artigo irá refletir sobre o poder da singularidade e da construção de memórias, a par das novas tendências de viagens e bem-estar que, gradualmente, conquistam o sector.