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Lesoto no fio da navalha

No entanto, este pequeno país interior, circundado inteiramente pela África do Sul, não está a tomar as medidas necessárias para assegurar um prolongamento do ato, aponta Andy Salm, colaborador da ComMask Trust, organização para o desenvolvimento do mercado local. O Lesoto é o maior exportador de vestuário da região subsariana com destino aos EUA, concentrando 30% do valor e 28% do volume de exportações da região, segundo dados da Associação de Exportadores Têxteis do Lesoto (LTEA na sigla inglesa). De acordo com esta organização, 80% das exportações têxteis e de vestuário do país têm como destino na terra do Tio Sam. Reconhecido como “a capital do denim em África”, o país produz mais de 26 milhões de pares de jeans anualmente e 70 milhões de peças de vestuário de malha por ano. A Fiação Têxtil Formosa, sediada na capital Maseru, é um exportador de destaque, produzindo mais de 1,3 milhões de jardas de tecido denim anualmente e 900 toneladas de fios de algodão e misturas com algodão, revela a LTEA. O país tem um dos salários mais baixos à escala mundial, surgindo na posição 162 de 187 do Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas. Os trabalhadores locais auferem uma média de 570 dólares anualmente e 42% da população ativa encontra-se desempregada. O rácio de dependência face ao empregador é de 10 para 1, refere Salm. O Lesoto é governado por uma monarquia constitucional e opera um complexo sistema político que combina os princípios eleitorais do escrutínio unitário uninominal e da representação proporcional. Estas circunstâncias fomentam a constituição de frágeis governos de coligação que, pela sua volatilidade, constituem uma barreira à implementação de estratégias coordenadas de longa duração. A agitação política decorrente das eleições de 28 de fevereiro explica, em parte, o atraso na abordagem à necessidade de renovação da Agoa. Porém, diz Salm, as encomendas requerem tempos de entrega de quatro meses e, à medida que o prazo limite se aproxima, a possibilidade de não cumprimento e consequente vaga de despedimentos no sector torna-se, cada vez mais, uma ameaça real. Empregos em risco Antes da implementação da Agoa em 2000, a indústria têxtil do Lesoto empregava cerca de 20 mil trabalhadores, com a África do Sul e o continente europeu a figurarem entre os principais destinos das exportações nacionais. Nos anos subsequentes, o foco alterou-se e os EUA são, atualmente, o principal mercado de exportação do país. O número de colaboradores do sector mais que duplicou, alcançando os 55.000 trabalhadores. «Apesar do mercado atual apresentar uma maior solidez, o desaparecimento da AGOA conduziria à extinção de 15 mil postos de trabalho», indica Salm. As Nações Unidas revelam que desde a implementação da Agoa, a indústria têxtil do Lesoto passou a contribuir em 20% para o produto interno bruto nacional, direcionando 80% da sua produção para grandes marcas americanas como Gap, Levi’s e Walmart. De acordo com a LTEA, o sector têxtil e vestuário do Lesoto tem feito um investimento crescente na melhoria da competitividade ao nível do fator preço, prazos de entrega, qualidade e condições laborais. Atualmente, cerca de 75% do investimento aplicado na indústria do país é proveniente da China, Taiwan e sudeste asiático. Salm explica que, se nos primeiros anos de implementação da Agoa imperava o desenvolvimento de negócios temporários de qualidade inferior, a abolição do Acordo Multifibras da Organização Mundial do Comércio eliminou a maioria desses intervenientes, que optaram por se transferir para o mais auspicioso sudeste asiático. Os negócios mais sólidos, alguns sediados no Lesoto há mais de 25 anos, permaneceram. «A questão que se coloca agora é se eles ficariam mediante a dissolução da Agoa, quando muitas dessas empresas seguem as orientações de outras sediadas a oriente», acrescenta Salm. À medida que outros países, como o Quénia, Etiópia, Tanzânia, Moçambique e Gana, promovem políticas de incentivo ao investimento e oferecem oportunidades competitivas e de eficiência laboral, Salm adverte para a possibilidade de produtores sediados no Lesoto optarem pela recolocação das suas unidades produtivas. Cenários futuras O relatório emitido pela associação Better Work Lesotto, resultante de um programa de parceria entre a Organização Internacional do Trabalho (ILO na sigla inglesa) e a Corporação Financeira Internacional do Banco Mundial apresenta três cenários possíveis para a Agoa, incluindo a renovação total, uma renovação parcial que não inclui a África do Sul e a sua transformação em acordo de parceria económica. A organização sugere que a renovação total é a possibilidade mais plausível, com 40 países elegíveis a manterem o acesso livre ao mercado americano em 1.800 linhas tarifárias, salvaguardando os proveitos já alcançados pela Agoa no incremento do comércio em 78%. A organização Better Work Lesotho apela a uma extensão do prazo superior a 10 ou 15 anos, de forma a assegurar a estabilidade requerida pelos investidores. Um acordo que não inclua a África do Sul não deverá interferir com as perspetivas do Lesoto. Mediante o alcance de uma parceria económica, a Agoa seria convertida em acordo bilateral, no qual os países africanos, incluindo o Lesoto, abririam os seus mercados aos exportadores americanos, pelo que não influenciaria de forma negativa a indústria têxtil e vestuário do reino. «No processo de renovação da Agoa, os EUA podem desempenhar um papel significativo no apoio ao continente africano. É um investimento que aumentará em valor ao ritmo do progresso do próprio continente», sustenta Christopher Wood, investigador do Instituto dos Negócios Estrangeiros sul-africano.