Numa manhã solarenga de maio, na Quinta Avenida nova-iorquina, Carron Ryan parou para admirar o colar de diamantes incrustados de Van Cleef & Arpels na vitrina dos grandes armazéns Bergdorf Goodman. O espaço Louis Vuitton fica do outro lado da rua, mas Ryan desviou o olhar do alinhamento de bolsas, adornadas com o logotipo da marca. «Parece um pouco vulgar», observa Ryan, criadora de joias vintage. «É melhor ser subtil». A preferência de Ryan por produtos discretos, sem logotipos, é partilhada por um número crescente de consumidores afluentes, dizem os especialistas, que preferem investir em peças únicas e raras, em vez de bolsas amplamente reconhecíveis, de marcas de grande nome como Louis Vuitton, Gucci e Prada.
Esta transformação de paradigma enquadra-se num momento em que o gosto pessoal e a individualidade, ao invés da conformidade, são a mais recente tendência. Contudo, os especialistas afirmam que a propensão para bens de luxo mais discretos está, também, a ser alimentada pela crescente discussão política sobre a desigualdade, que transforma negativamente o significado de usar uma bolsa que praticamente anuncia uma etiqueta de preço de quatro dígitos. «Vemos claramente que isto é algo através do qual as pessoas não querem mostrar a sua riqueza tão visivelmente», explica Sarah Quinlan, que estuda os padrões de gastos dos consumidores, enquanto diretora de perspetivas de mercado da MasterCard Advisors.
Esta tendência lançou novos desafios a alguns titãs da indústria de retalho de luxo. As casas Louis Vuitton, Gucci e Prada ascenderam a ícones de riqueza globais, com as suas bolsas avaliadas em 5.500 dólares e lenços de seda de 695 dólares, personificando um símbolo de estatuto de Nova Iorque a Xangai. No entanto, atualmente, os consumidores de artigos de luxo evitam sinais evidentes de riqueza, contornando os produtos ostensivamente estampados com logotipos pelos quais as marcas são universalmente reconhecidas. «Isto é realmente o que me mantém acordado à noite», revela Johann Rupert, presidente-executivo do grupo Richemont, que detém a Cartier, entre outras marcas de luxo.
«Porque as pessoas com dinheiro não vão querer mostrá-lo. Se os pais do melhor amigo do seu filho ficarem desempregados, não quer comprar um carro ou algo vistoso». Os compradores de bens de luxo despendem 1.800 dólares num par de sapatos, mas querem que ele seja à prova de bala, num momento em que o Instagram, os blogs de estilo e os desfiles transmitidos em direto contribuem para que uma tendência se torne popular muito rapidamente, para a igual velocidade o deixar de ser. Essa tem sido uma dura lição para muitos retalhistas de luxo, que se tornaram efetivamente demasiado populares para o seu próprio bem.
As vendas da Gucci caíram 1,1% em 2014, valor ajustado a flutuações cambiais e outros fatores. A Prada também reportou uma derrapagem de 1,5% das suas vendas do ano passado e admitiu refrear os planos de expansão inicialmente apresentados. O crescimento das vendas do gigante de luxo LVMH abrandou nos populares segmentos de moda e artigos de couro, liderados pela casa Louis Vuitton. Estes percalços surgiram num momento em que o mercado global de bens de luxo tem crescido constantemente desde o fim da recessão, de acordo com dados revelados pelo Euromonitor. O segmento de acessórios o foco central destas marcas foi uma das categorias de mais rápido crescimento entre os artigos de luxo no ano passado, segundo uma pesquisa da empresa de consultoria Bain&Co.
«Atualmente, o importante é o luxo discreto», reconhece June Haynes, consultora de retalho de luxo e ex-executiva da marca de luxo Valentino. Acompanhando a recuperação económica americana subsequente à recessão, os consumidores que dispõem de maiores rendimentos assistiram a um crescimento da sua riqueza pessoal, ao invés dos consumidores de médio e baixo rendimento. «Penso que os clientes começaram a notar mudanças no seu próprio rendimento e no rendimento dos outros, e começaram a sentir um pouco de culpa na compra de logos», explica Charles Lawry, professor na Universidade de Pace, especializado em marketing de luxo.
«É a noção de não querer parecer que se está a gabar dos produtos que possui», acrescenta. Na China, que foi durante vários anos o motor essencial de crescimento das empresas de luxo globais, uma ofensiva contra a corrupção e uma economia em desaceleração contiveram o apetite por itens dispendiosos. Porém, os especialistas referem que uma outra mudança está também a ocorrer: os consumidores chineses, recém-chegados ao mercado de luxo, não pretendem já uma ostentosa mala Louis Vuitton ou óculos Gucci. Operou-se uma mudança extremamente rápida de preferências.
«O que demorou talvez 20 a 30 anos para os consumidores nos Estados Unidos, para os consumidores chineses demorou apenas dois ou três anos», aponta Olivier Abtan, diretor do segmento de luxo global da empresa de consultoria BCG. Simultaneamente, diversas marcas de nicho, como Zadig & Voltaire, Sandro e Rag&Bone, entraram na competição. Estas marcas, com os seus casacos de 895 dólares e botins de 525 dólares, são relativamente acessíveis em comparação com as tradicionais marcas de luxo, mas são ainda caras quanto baste para atrair os consumidores afluentes, que procuram algo diferente e de elevada qualidade. A segunda parte do presente artigo aborda as estratégias utilizadas pelas marcas de luxo na busca pela reinvenção, mantendo a estética que as caracteriza, quando simultaneamente procuram responder a uma tendência crescente de discrição no luxo.