“Mais” foi o mote desta da ModaLisboa, numa reação aos muitos “menos” com que nos deparamos – um partir do zero de uma edição pensada para contornar os impedimentos criados pela pandemia em curso. «Esta edição não foi pensada à semelhança das outras», explicou, ao Portugal Têxtil, Eduarda Abbondanza, presidente da Associação ModaLisboa. «Foi um exercício: o que é que temos e, se quisermos continuar a garantir o normativo, a segurança e a saúde, dentro daquilo que é possível, e tendo em atenção tudo o que foi o passado recente dos criadores – o confinamento, a não venda, por aí fora –, o que é legítimo e o que pode ser a nossa resposta para ir de encontro aos vários públicos que temos», acrescentou.
A solução passou por um universo digital muito superior ao habitual, com uma programação e conteúdos exclusivos que complementou os desfiles e as apresentações físicas – estes limitados em termos de audiência. Além do website próprio, a ModaLisboa criou uma app para dispositivos móveis, uma aplicação para clientes MEO e um microsite, onde foi possível ver os desfiles em direto, aceder a entrevistas com os designers e outras funcionalidades. «Não podíamos entrar em histeria cada dia que a pandemia aumentasse mais. Não consigo trabalhar assim. Tínhamos de construir logo várias variantes para que, houvesse o que houvesse, estivéssemos seguros e o projeto continuasse. E para ser digital não chegava as redes sociais», justificou Eduarda Abbondanza.
Portugal no coração
Constança Entrudo, que apresentou as suas propostas em parceria com a Trimalhas, que forneceu as malhas produzidas a partir de plástico reciclado, e o Turismo da Madeira, criou uma espécie de labirinto ao som de água e pássaros, gravados da chamada “pérola do Atlântico”. «Esta coleção foi um projeto que já tinha começado a explorar na faculdade», assumiu a designer ao Portugal Têxtil. Maze traduz «esta ideia de nos perdermos com um propósito e num espaço que é mesmo feito para nos perdermos» e foi assim mesmo que foi apresentado na ModaLisboa, num labirinto que cada um percorreu para conhecer as propostas, pintadas de verde e lilás.
A marca Duarte, por sua vez, foi mesmo “para fora”, embora cá dentro. Ana Duarte mergulhou nos arquivos da marca de calçado portuguesa Exceed Shoes Thinkers e encontrou os eucaliptos arco-íris, típicos de Maui, que coloriu em tons de mar e da praia, usando matérias-primas diversificadas, incluindo lãs frias da Albano Morgado, usada numa gabardine e num macacão, por exemplo. «São materiais frescos para usar à noite e quando há uma brisa na primavera», explicou ao Portugal Têxtil.
Já Nuno Baltazar trouxe os bastidores de um desfile para a ribalta. A mostra de “Ensaio”, como batizou esta coleção, mostrou o processo criativo do designer, que criou coordenados numa paleta de turquesa, preto, grafite, verde-musgo, crú, amarelo, castanhos e fúcsia, onde predominam estruturas contrastantes e texturas tridimensionais.
Resposta à pandemia
A pandemia e o confinamento tiveram impactos óbvios nas criações – ou falta delas – dos designers portugueses. Nuno Gama decidiu não apresentar uma coleção nova, optando por fazer uma reflexão e uma intervenção onde destacou «o amor a Portugal», interpretada pelo bailarino Bruno Pardo, acompanhado por modelos coreografados por Olga Roriz.
Carolina Machado optou por fazer um retrospetiva dos seus quatro anos de carreira, num reflexo da «introspeção e exploração da identidade e intenção da marca, que continuam a definir o seu futuro», como revela o comunicado da ModaLisboa. Na 10.ª coleção, «surgiu a ideia de fazer uma espécie de comemoração, um revival, de tudo o que já tinha desenvolvido para trás. Peguei nas peças-chave, nas silhuetas mais características, nos detalhes que normalmente uso, como os bolsos, as mangas balão, os drapeados, as pregas, os machos, e fiz uma espécie de resumo, de best-off», contou a designer na entrevista disponível na app.
Já “Iceberg”, de Kolovrat, procurou captar «o momento de transição em que atualmente nos encontramos», numa coleção que trouxe formas familiares e cores claras, a exaltação do design e das manualidades, em pormenores que se complementam, e Ricardo Andrez fez um «tributo a todos os artistas que, durante este lockdown, tanto nos fizeram sonhar e fantasiar». “Um abraço a todos” inspirou-se, por isso, na música, nas séries, nos livros e nos videojogos que permitiram manter a sanidade mental durante os últimos meses.
A Hibu refletiu sobre o vazio criativo provocado pela «reciclagem, por vezes aleatória ou sintética, de referências e estéticas do passado» provocadas pela tecnologia e informação ilimitada online, o coletivo Awaytomars lançou o projeto “Future Positivism” para unir a sua comunidade em torno de um futuro melhor e combater as mensagens de insegurança, medo, desafeto e desespero que têm marcado os últimos meses, e Ricardo Preto quis reavivar memórias felizes e exaltar o amor, a aproximação de nós próprios e do próximo.
«Inicialmente estava a pensar muito na vertente comercial, mas depois achei que tinha mesmo que fazer aquilo que gosto de fazer e fazer sem qualquer limitação», justificou ao Portugal Têxtil. Peças mais estruturadas, blazers e vestidos de festa fizeram parte das propostas que, se a pandemia deixar, serão vestidas nos eventos de passadeira vermelha na próxima primavera-verão.