Para Miguel de la O, diretor de vendas da fornecedora mexicana de máquinas de costura Casa Diaz, a promessa de construção de um muro na fronteira entre os EUA e o México não o inquieta particularmente. «Um operário fabril nos EUA cobra três vezes mais o que cobramos no México», aponta, citado pelo just-style.com. «Os custos do trabalho vão ter um impacto direto no preço do vestuário e o mercado americano não vai aguentar», acrescenta.
A invetiva antiglobalização de Trump deverá prejudicar o México, sobretudo porque o Acordo de Comércio Livre da América do Norte (Nafta) alimentou a quintuplicação das exportações de têxteis e vestuário do país para os EUA desde que foi assinado em1994. No total, as exportações do México para os EUA sextuplicaram, atingindo 320 mil milhões de dólares (302,2 mil milhões de euros) por ano, de acordo com os números avançados pela Reuters.
Nos arredores da cidade de Leon, Rosendo Castillo, diretor da empresa de exportação de couro WYNY, cujos clientes incluem retalhistas como a Hugo Boss e a Zara, teme um potencial golpe nas vendas, que são atualmente seis vezes superiores às registadas antes do Nafta. «Vai realmente pôr em causa o negócio» se o acordo for rescindido, afirma Castillo à Reuters, acrescentando que a WYNY, cujas vendas atingiram 120 milhões de dólares em 2015, «não era muito bem sucedida» antes do Nafta.
Também a produtora de vestuário Industrias Cavalier, que faz fatos para a Tommy Hilfiger, receia as repercussões da política anunciada pelo presidente-eleito dos EUA. «Há muitas incertezas, mas se ele renegociar o Nafta isso poderá ter um impacto terrível na economia do México e afetar as nossas exportações», considera o diretor comercial da empresa, Eric Levy, ao just-style.com.
A missão de Trump para impor taxas e construir um muro gigante, que poderá custar 20 mil milhões de dólares, a dividir os EUA e o México para impedir a imigração provocou de imediato uma queda no valor do peso mexicano e a uma revisão em baixa por parte da agência de rating Moody’s para o PIB do país, de 2,5% para 1,9%, em 2017 (ver Política americana ameaça comércio).
Para os têxteis e vestuário, a reposição de uma taxa de 35% (que foi eliminada com o Nafta) pode afetar 1,6 mil milhões de dólares de exportações mexicanas para os EUA, pelo menos em comparação com os 4,5 mil milhões de dólares enviados no ano passado, dos quais 3,5 mil milhões de dólares foram respeitantes a vestuário e mil milhões de dólares a têxteis, segundo a associação da indústria de vestuário Canaive.
Já os EUA enviaram para o México 6,5 mil milhões de dólares de vestuário e têxteis para o México em 2015 – 4 mil milhões de dólares em tecidos e 1,2 mil milhões de dólares em componentes de vestuário, mostrando que o país beneficiou mais do Nafta do que o seu vizinho a sul.
Arturo Vivanco, presidente da Jalisco State, uma subdivisão da Canaive, revelou que a associação está a analisar os danos que o regresso das taxas pode causar – e está disposta a lutar para assegurar que a indústria não é muito afetada.
«Não podemos esquecer os nossos direitos [sob o Nafta] e vamos lutar por eles», adianta, acrescentando que a voz de Trump não é absoluta e que vai necessitar da aprovação do Congresso, apesar de ambas as câmaras serem dominadas pelos republicanos.
Para Miguel de la O, as empresas mexicanas têm de ter uma resposta mais rápida e uma maior versatilidade para concorrer com a Ásia e a América Latina. «As empresas têm de modernizar os seus equipamentos e serem muito mais rápidas do que toda a gente», destaca, acrescentando que melhorar a versatilidade é crucial para responder ao mercado americano de fast fashion.
Diversificação em mira
Mas a diversificação de mercados é igualmente imperativa, sobretudo para a Europa, que Miguel de la O considera ser mais fácil de entrar do que a Ásia ou até a América Latina. O México e a UE têm um acordo de comércio livre que é pouco usado devido à forte dependência do México dos EUA, onde vende 90% da produção.
«A Europa tem uma moeda única por isso não é necessário preocupar-nos com o envio dos produtos para Espanha, Alemanha ou Suíça», aponta Miguel de la O, acrescentando que o México está bem posicionado para vender produtos básicos e de moda para empresas como a Inditex, C&A e H&M.
Gustavo Bojalil, presidente da Puebla State, um ramo da Canaive, indica que o México tem uma grande oportunidade para vender vestuário ao bloco da Aliança do Pacífico, do qual é um dos quatro países da América Latina associados, juntamente com a Colômbia, Peru e Chile. O responsável associativo vê ainda oportunidades em Espanha, onde estão já em curso esforços para estabelecer alianças mais profundas com a Inditex e a Mango.
«Há muitos nichos que podem ser explorados, sobretudo na Europa e na América Latina, mas temos de mudar a forma como estamos a tratar os nossos clientes. Temos de ser mais formais e fiáveis», sublinha Bojalil ao just-style.com, acrescentando que a Inditex recentemente referiu estas preocupações quando negociou um contrato para fazer vestuário no centro de produção de Tehuantepec, que tem fornecedores da VF Corp e da Polo Ralph Lauren, entre outros.
Carlos Eduardo Botero, CEO do Inexmoda, o instituto de comércio de moda da Colômbia, acredita que um possível declínio das exportações para os EUA pode levar o México a impulsionar a sua integração com a Colômbia, o Peru e o Chile para criar um bloco comercial mais forte sob a Aliança do Pacífico. A diretora de transformação estratégia do Inexmoda, Luz Adriana Naranjo, explica que o México pode ter dificuldade em cortar o cordão umbilical com o Nafta, mas que algumas empresas já o estão a fazer. «Estivemos no México em fevereiro e visitamos várias fábricas na Cidade do México, em Puebla e Merida e sentimos que os mexicanos estão numa zona de conforto com os EUA devido ao seu estatuto [de estabilidade política] e proximidade», explica Luz Adriana Naranjo a just-style.com. Mas «perceberam que isso pode mudar a qualquer momento e algumas empresas começaram a investir para melhorar a tecnologia e a inovação», acrescenta.
Para Juan Antonio Barragan, advogado na Intrade Consultores, na Cidade do México, Trump pode, sem querer, estar a dar uma oportunidade ao México de reduzir consideravelmente a sua dependência dos EUA. «Se Trump forçar o México, pela primeira vez na história, a criar uma verdadeira política comercial e industrial para reduzir a dependência dos EUA, tirar-nos da nossa zona de conforto e desenvolver o comércio com outros países, esta pode ser a altura certa porque o mundo está a mudar. Nós não sabemos como exportar. O nosso governo não desenvolveu uma política para nos deixar explorar todas as relações comerciais com o mundo, para perceber os desafios logísticos, os custos e oportunidades da cadeia de aprovisionamento», afirma.