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Moda da ocidental praia lusitana

De regresso à pátria-mãe, a 39ª edição do Portugal Fashion destacou-se pela autonomia do Bloom, pela inclusão de duas novas localizações na geografia do evento e por novidades como a aventura do jovem Pedro Neto na moda masculina, a aposta de Luís Onofre no calçado de homem ou pela passagem de testemunho na Dielmar.

portugalfashion2_17outubro2016O primeiro canto d’Os Lusíadas assinala a partida dos navegadores portugueses à conquista de novos mundos. Depois de um périplo pelas semanas da moda internacionais, que incluiu o regresso a Nova Iorque quase uma década depois, navegou com semelhantes propósitos a embarcação do Portugal Fashion para a primavera-verão 2017. Atracada nos portos nacionais para a 39ª edição, não faltaram boas-novas e tesouros nos porões.

Como é apanágio, o calendário de desfiles do certame iniciou a rota em Lisboa. O Pavilhão de Portugal, edifício projetado por Álvaro Siza Vieira e a primeira novidade em termos de localização, recebeu a dupla João Branco e Luís Sanchez dos Storytailors e a sua simbiose perfeita entre arte e novas tecnologias, com particular destaque para o corte a laser, em “Black Hills”. Já as propostas de “Dune” de Pedro Pedro vinham na bagagem trazida da semana de Moda de Milão, «cheia de casacos que podem ser amarrados na cintura e fazer de saia», explicou ao Portugal Têxtil. «Portanto, é tudo muito móvel e transformável desta vez», acrescentou.

Os tesouros dos porões começaram a ser mostrados pelas mãos de Alexandra Moura. As propostas já desfiladas na semana de moda de Londres foram bebidas na misteriosa história do Lover’s Eyes e no universo da joia vitoriana, fazendo a ponte entre o clássico e o contemporâneo. Já a dupla Alves/Gonçalves partiu da camisa para alcançar «a assimetria, o oversized, os cortes retos próximos do corpo e inusitados, os volantes e as mangas voluptuosas».

Ainda no primeiro dia do evento, o espaço Bloom dedicado ao talento emergente deixou conhecer as propostas da marca Hibu, cujos destinos são agora decididos a solo pela designer Marta Gonçalves, empenhada na exploração do lado comercial das coleções e na oferta de itens básicos. «Fez sempre parte dos meus objetivos desenvolver entre estas coleções, coleções mais comerciais, produtos mais básicos como t-shirts e sweatshirts», confessou Marta Gonçalves ao Portugal Têxtil.

As naves deixaram o Tejo e tomaram o Douro, para três dias no Porto, sendo o primeiro marcado pela autonomização dos desfiles do Bloom.

Grito de independência

A passerelle do talento emergente deixou a Alfândega do Porto e tomou conta do 7ª andar do Palácio dos CTT onde na quinta-feira, dia 13, os jovens designers e o responsável pela plataforma de talento emergente do Portugal Fashion, Miguel Flor, viram cair a noite. «Representa uma escalada grande no projeto, fazemos seis anos nesta edição e notámos que era necessário uma pequena descolagem da plataforma principal», justificou Miguel Flor, em declarações ao Portugal Têxtil.

Beatriz Bettencourt e Olimpia Davide partilharam então um desfile duplo e se a primeira procurou fazer um movimento regressivo até à sua infância, com uma coleção reveladora de um espírito descontraído com linhas desportivas, a segunda deixou-se inspirar por uma viagem à Turquia, vertida para uma paleta dominada pelo marinho, aliado ao tom quente do laranja.

O calendário reservou ainda espaço para as propostas de Eduardo Amorim, que para esta apresentação se juntou à jovem designer de joalharia Joana Santos na procura de melhor contar a história grunge da coleção primavera-verão. «Este ano preocupei-me não só com o look da roupa, mas com o look total», revelou o jovem designer sobre as propostas marcadas por silhuetas baggy e oversized. Maria Kobrock e Sara Maia, as duas estreias da última edição, voltaram à passerelle do Bloom mais amadurecidas.

Do concurso Bloom da última edição saltaram ainda para a passerelle David Catalán, para mostrar a sua reinterpretação do conhecido bar londrino Sketch, numa mistura de cores e texturas, e Inês Torcato, filha de Júlio Torcato, que se decidiu aventurar na moda masculina. «É a primeira vez que estou a fazer homem», referiu sobre propostas que trabalharam uma linguagem clássica desconstruída, em blazers e camisas.

Na assistência, Júlio Torcato afirmou que a sua intervenção no percurso da coleção do rebento se resumiu a orientações técnicas. «A Inês pede muito poucos conselhos, mais técnicos, na parte conceptual zero», sublinhou.

Mas nem só de solos se faz o Bloom. A UN T passou a ser um coletivo, com a entrada de Joana Cardinal, que se juntou a Tiago Silva para uma coleção «baseada no estudo do corpo e a sua deformação» e o trio dos Klar, composto por Alexandre Marrafeiro, Andreia Oliveira e Tiago Carneiro, continua investido na sua missão sustentável e animal friendly.

Um dos destaques da edição aconteceu com a estreia de Pedro Neto, jovem designer favorito de celebridades como Raquel Strada, na moda masculina. «São 27 looks, nunca fiz tantos, e 11 são de homem. É uma coleção à minha imagem, inconscientemente, e foi engraçado fazer homem» explica sobre as propostas que contaram a história de amor malograda de dois náufragos.

Os jovens navegadores despertaram cedo e, na sexta-feira de manhã, o Palácio dos CTT estendeu a passerelle para as sugestões dos estudantes de design de moda das escolas ESAD (Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos), Modatex e EMP (Escola de Moda do Porto).

Viagens no tempo e no espaço

A tarde chegou pela antiga porta de entrada de mercadorias na Invicta e quartel-general do Portugal Fashion, a Alfândega do Porto.

O tempo ficou entregue a Susana Bettencourt, que «do 15º andar do prédio onde morava em criança, nos Açores, via chegar um barco à marina que tinha uma sala especial de Verne Panton» tendo vertido a estética gráfica do artista e respetivas memórias de infância para a coleção de malhas de cores vibrantes. Carla Pontes não foi tão longe no tempo, mas voltou às coleções passadas para construir “Cloud”, uma colagem de pequenos fragmentos das propostas anteriores que a designer «não queria perder».

A brincar com o tempo esteve ainda Estelita Mendonça, que começando a apresentação da coleção pelo fim, mostrou looks recolhidos em diferentes cenários junto à praia, entre a tormenta dos refugiados e momentos divertidos passados à beira-mar.

Júlio Torcato premiu também o botão “rewind” e voltou a “Ordinary People”, desfile que há 10 anos se ergueu na Figueira da Foz. «Foi quase uma reedição», contou o criador sobre as propostas que fundem «a alfaiataria e o sportswear, personificado no jeanswear».

Anabela Baldaque, que «comunica melhor com roupas do que com palavras» viajou até ao Japão, em peças «girly, mas de índole forte» repletas de padrões florais, rendas e cores pastel. Enquanto Hugo Costa transportou o bushido, o rígido código de conduta associado à figura do samurai, para as suas propostas agender, numa viagem que também começou no Japão mas que antes de chegar a território nacional, fez uma importante ancoragem em Paris – o designer estreou-se na semana de moda masculina da capital em julho. «Mesmo para mim, que sou consideravelmente ambicioso, Paris era quase utópico e hoje ambiciono estar no calendário oficial», adiantou.

A noite de sexta-feira ficou depois nas mãos da mulher Diogo Miranda, que trouxe novos tesouros para o cais da Alfândega. Inspirado pela obra de Picasso, o criador apresentou saias mais curtas, calças mais justas e ombros mais destacados do que o habitual.

O passo seguinte foi dado pelos pés seguros da mulher e, agora, do homem Luís Onofre, uma investida que não é nova – o designer já tinha experimentado com a linha de calçado masculina em 2003 –, mas que na primavera-verão ganha renovada força dentro das sugestões de “Hellenic Garden”.

Regressado de Nova Iorque, onde estreou “África Minha”, repleta de estampados animais em jacquards na reconhecida assinatura de cor: preto e branco, Miguel Vieira fechou o segundo dia de desfiles no Porto. «Nova Iorque era uma semana de moda que eu queria fazer há bastante tempo, no entanto achei melhor as coisas estarem mais cimentadas para fazer uma semana de moda com aquela dimensão», afirmou sobre a última conquista.

portugalfashion3_17outubro2016As sereias de Xiomara e as ondas de Fátima

A interpretação do sportswear «com um pendor sexy» de Luís Buchinho, cujas coleções viajaram este ano pela 24ª vez até Paris, e a coleção primavera-verão 2017 de Katty Xiomara, que voltou a pisar a passerelle de Nova Iorque, tomaram conta do Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, em Matosinhos, na manhã de sábado.

Sereias, marinheiros e a vida marinha navegaram nas propostas de “A corrente das agulhas” da designer. «Nos portugueses, existe uma relação com o mar, mas eles aproveitaram as adversidades daquela corrente e utilizaram isso a seu favor», reconheceu em declarações ao Portugal Têxtil.

Também no mar mergulhou a coleção primavera-verão 2017 de Fátima Lopes, que oficializou ainda a aposta da criadora no calçado. «Tudo começou no meio do oceanário, em Barcelona. Cheguei a Lisboa e comecei a desenhar e fiz a coleção toda num instante. Todo o grafismo da coleção é com linhas muito redondas, pelo mar, pelo tema», admitiu.

portugalfashion4_17outubro2016Numa envolvência mais luxuosa, mas ainda assim salpicada, estiveram ainda as propostas femininas da marca Ana Sousa. «É inspirada numa mulher que faz cruzeiros a Cannes, a Santorini… numa mulher do mundo», confessou a própria Ana Sousa.

Pela segunda vez no calendário do certame e apostada na investida internacional – com particular foco em Itália, Turquia e EUA –, a marca Pé de Chumbo da designer Alexandra Oliveira deixou-se inspirar por um documentário dos anos 20 e apostou em peças desconstruídas. Já mais familiarizada com a embarcação, Elsa Barreto apresentou, por sua vez, uma coleção «cada vez mais versátil, que pretende chegar ao maior número possível de mulheres, mas sempre feminina», rica em rendas, bordados e tecidos fluidos.

Sentindo-se em casa no Porto, mas cada vez mais à vontade na passerelle milanesa, onde desfilou pela terceira vez, Carlos Gil propôs uma coleção «capaz de abranger todos os continentes e que fez, ela própria, uma volta pelas culturas dos vários continentes», vibrante em lantejoulas e estampados.

Na representação da força da indústria destacaram as propostas da Vicri e Dielmar – ambas começadas no imaginário cubano, mas materializadas de forma distinta.

Na passerelle da Dielmar houve ainda passagem de testemunho. A coleção primavera-verão 2017 foi a última desenhada por Rúben Damásio (ver Sangue Novo na Dielmar) e a primeira apresentação de Nair Xavier, recém-chegada à marca. «Está a correr bem, tem as suas dificuldades e as suas facilidades. Estou aqui não só para contribuir, mas também para aprender», resumiu a jovem designer.

O dia reservou ainda espaço para as propostas do calçado. Ambitious, Dkode, Fly London, J.J. Heitor, J. Reinaldo e Nobrand encenaram o desfile coletivo da “Indústria mais sexy da Europa”.

As honras do encerramento da 39ª edição do Portugal Fashion couberam à Lion of Porches, que desta feita encenou um court de ténis em plena passerelle. «[O ponto de partida] surgiu a propósito do torneio de Wimbledon, o tipo de roupa e as cores adequam-se muito bem e depois convidamos algumas pessoas ligadas ao ténis, como é o caso do empresário João Lagos [que durante 25 anos organizou o Estoril Open] e do tenista Gastão Elias», explicou Júlio Torcato, responsável pela linha masculina da marca, ao Portugal Têxtil. «É um torneio em que a taça vai para a Lion of Porches», gracejou.

A noite caiu sobre a cidade Invicta e o Portugal Fashion teve assim mais encanto na hora da despedida. Para o ano há mais!