Início Notícias Retalho

O tempo do Z

Os novos adolescentes cresceram com diferentes valores, atitudes e hábitos de consumo. Para os alcançar e manter, as marcas sentem agora a necessidade de adaptar estratégias e, por vezes, repensar todo o branding. O retalho dedicado a este público-alvo, da Abercrombie & Fitch à American Eagle, está em mudança.

Os últimos anos têm sido difíceis para os retalhistas cujo tradicional público-alvo são os adolescentes. A Abercrombie & Fitch, a Aeropostale e a American Eagle – outrora marcas cobiçadas pelos jovens do ensino secundário nos EUA – têm visto a sua popularidade e lucros em declínio. Desde 2010, a Abercrombie & Fitch fechou mais de 275 lojas e a Aeropostal encerrou mais de 120 espaços só em 2014.

Por um lado, estes retalhistas estão a sofrer pelo excesso de confiança depositado no número de clientes que entravam nos seus espaços (footfall) nos centros comerciais e não conseguiram adaptar-se com a rapidez suficiente ao boom das redes sociais, onde os atuais adolescentes passam muito mais tempo. Ao mesmo tempo, perderam em preço e em design para os gigantes da fast fashion, como a H&M e a Zara.

Falhas estratégicas como estas desempenharam um papel significativo na queda deste grupo de retalhistas. Mas, em última análise, a realidade é que os fundamentos, comportamentos, atitudes e valores sobre os quais estas marcas foram construídas mudaram, simplesmente, quando a geração Z – constituída por jovens também designados como pós-milénio – despontou.

Vidas digitais

A geração Z nasceu digital. «[Estes jovens] não sabem que houve uma revolução tecnológica», explica Piers Guilar, diretor executivo de estratégia na consultora Fitch. «Eles estão acima dos “tech savvy” (entendidos em tecnologia), corrobora Nancy Nessel, fundadora do website de aconselhamento de marketing Getting to Know Generation Z. «Eu chamo-lhes “tech genius” (génios da tecnologia)».

Cerca de 92% dos adolescentes norte-americanos acedem à Internet diariamente e 24% estão online «quase constantemente», de acordo com um relatório de 2015 do Pew Research Center. Esta fluência digital mudou os locais onde os adolescentes se reúnem e os canais que usam para fazer compras. «As regras antigas de retalho já não se aplicam», afirma Guilar. «Os adolescentes não fazem distinção entre a compra online, olhar para as coisas no Twitter ou comprar numa loja física», acrescenta.

A tecnologia também mudou aquilo em que os adolescentes gastam o seu dinheiro. Entre 2005 e 2015, as compras em moda, incluindo roupas, acessórios e calçado caíram entre 45 a 38% no total dos gastos dos adolescentes, de acordo com o mais recente relatório da consultora Piper Jaffray, publicado em outubro de 2015. Durante o mesmo período, as despesas com aparelhos eletrónicos e gadgets duplicaram, passando a representar entre 4 a 8% dos gastos dos adolescentes.

«Os milénios cresceram com tecnologia, enquanto a geração Z, desde o nascimento, tem distribuído os seus rendimentos», refere Marcie Merriman, diretora-executiva de estratégia de crescimento e inovação no retalho na Ernst & Young. Os adolescentes de hoje são mais propensos a pedir smartphones, tablets ou tecnologia wearable como presentes de Natal e aniversário em vez de vestuário, reconhece.

Valor e Valores

No entanto, os adolescentes não estão apenas a gastar menos em moda – estão a gastar menos, no geral. A geração Z viveu as consequências do 11 de setembro, experimentou a guerra e a recessão económica – uma educação turbulenta deu-lhes «mais autoconhecimento, tornou-os mais autossuficientes e orientados», segundo uma sondagem de 2015 efetuada pela Ernst & Young. Assumindo-se, também, como consumidores conscientes.

Os gastos dos adolescentes nos EUA caíram 31% entre 1997 e 2014, de acordo com a consultora The Futures Company. «Há simplesmente uma consciência de que estamos numa economia de crescimento lento», afirma Rob Callender, diretor de youth insights na consultora. Nancy Nessel concorda: «Eles viram quão difícil a vida pode ser, e por isso não querem estar nessa posição».

A geração Z também examina as marcas com mais cuidado: «São muito mais atentos sobre conhecer as histórias das várias marcas, para se certificarem de que as escolhas que fazem com os seus recursos bastante limitados são aquelas com que se sentem confortáveis», revela Callender. No passado, os adolescentes utilizaram marcas de moda como sinal de status, algo que se refletia em peças com logotipos e marcas em destaque vindas, por exemplo, da Abercrombie & Fitch.

A geração Z, no entanto, é mais segura de si. Uma pesquisa realizada pela The Futures Company revelou que a percentagem de adolescentes que concorda com a afirmação, “importo-me muito com as minhas roupas estarem na moda”, caiu de 65% em 1997 para 47% em 2014.

Para o adolescente de hoje, a moda é menos sobre enquadrar-s, e mais sobre como fazer escolhas que refletem a própria identidade. «Estão interessados em dizer, “Escolhi esta marca, porque partilha uma visão semelhante à minha, ao meu estilo de vida e às minhas prioridades”», sublinha Rob Callender. Nancy Nessel concorda que os adolescentes de hoje são mais “altruístas” e “empresariais” do que os seus antecessores milénios. «Estão à procura de marcas que tenham personalidade e autenticidade», advoga.

A American Eagle alcançou este sentimento com a campanha de lingerie “Aerie Real”, lançada há dois anos. As imagens da campanha não são retocadas e apresentam adolescentes “reais”, como a modelo plus-size de 19 anos Barbie Ferreira. Esta abordagem surtiu impacto nestes novos consumidores: nos primeiros nove meses de 2015, as vendas comparadas em lojas da marca Aerie subiu 17 %.

A importância das experiências

Acima de tudo, os adolescentes estão a priorizar as compras-experiência que podem depois partilhar nas redes sociais. De acordo com uma pesquisa da Piper Jaffray, em 2015, a rede social favorita da geração Z foi o Instagram.

«Se não pode ser partilhado, não aconteceu», garante Marcie Merriman. «As experiências definem-nos muito mais do que os produtos que compram», acrescenta. A Piper Jaffray também refere que os adolescentes gastam agora 22% do seu rendimento em alimentação, um aumento de 7% em relação a 2005, particularmente em locais que possam ser “sincronizados” com o Instagram como a Starbucks.

Para as gerações que cresceram antes do Facebook e do Snapchat, a moda era uma espécie de elixir social – vestir a marca certa poderia torná-los cool. Mas os adolescentes atuais vivem nas redes sociais, onde o que realmente importa são as experiências. «Eles não querem comprar produtos. Eles estão a comprar uma experiência e o produto que eles conseguem através disso é uma espécie de bónus», sustenta Merriman.

A Primark, que não oferece um portal de comércio eletrónico, envolveu-se com os consumidores adolescentes transformando as suas lojas físicas numa experiência partilhável (ver A invasão da América). A retalhista irlandesa incentiva os clientes a fazerem upload de imagens de compras com a hashtag #Primania, que são exibidas num feed em lojas selecionadas, incluindo a flagship dos EUA, em Boston. A marca de moda também equipou algumas lojas com acesso Wi-fi e vestiários grandes o suficiente para dois consumidores, para ser mais “selfie-friendly”.

 Inspiração online

Os adolescentes ainda usam a moda para explorar as suas identidades durante a adolescência, mas os dias em que estes podiam ser enquadrados num estereótipo pelas suas escolhas de roupa, acabaram. A par disso, retalhistas como Abercrombie & Fitch foram construídas numa ideia de exclusividade que hoje já não surte efeito.

Nos dias que correm, os adolescentes acedem a uma ampla gama de influências de estilos, de it girls como Kendall Jenner a bloggers de moda e beleza. «Eles têm inspiração de milhares de locais online, como o Pinterest, o Instagram e o Snapchat e misturam e combinam», explica Piers Guilar.

Para as marcas alcançarem – e permanecerem relevantes – a geração Z será necessário um esforço substancial. «Os retalhistas serão obrigados a usar todas as ferramentas à sua disposição para oferecerem experiências sem as quais os consumidores não possam viver», sugere um relatório da Ernst & Young.

De acordo com Guilar, as marcas de sucesso serão aquelas que atendam aos desejos dos adolescentes modernos pela autenticidade e «percebam que são uma parte da sociedade e têm um papel a desempenhar, em vez de se limitarem a vender».