À primeira vista, a indústria de vestuário do Camboja parece estar a prosperar. O ANZ Bank previu recentemente um crescimento de 7,2% do PIB em 2016, sobretudo alimentado por um aumento nas exportações de vestuário. E os dados recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam para um crescimento de 14,7% nos envios de vestuário do país, para um valor de cerca de 1,61 mil milhões de dólares (1,43 mil milhões de euros) no primeiro trimestre do ano. Mas analisando de forma mais profunda, a indústria de vestuário do Camboja está menos otimista.
Para Ken Loo, secretário-geral da Associação de Produtores de Vestuário do Camboja, o principal problema é que o sector não é competitivo. Segundo o responsável, as exportações de vestuário do Camboja apenas estão a crescer em mercados com acesso preferencial, como o Canadá, o Japão e, sobretudo, a UE – o seu principal mercado de exportação, representando 45% do total, um mercado onde tem acesso sem pagamento de taxas sob o acordo de acesso preferencial.
Em contrapartida, as exportações de vestuário para os EUA têm caído nos últimos cinco anos, uma queda que se acentuou no primeiro semestre deste ano, com uma diminuição de 14,2%, para 1,2 mil milhões de dólares.
Na mais recente edição da feira Cambodia International Textile & Garment Industry Exhibition, na capital Phnom Penh, fornecedores de maquinaria e matérias-primas queixaram-se, em uníssono, de que a procura pelos seus produtos está em baixa.
Gary Yap, diretor sénior regional de vendas da Juki, a empresa líder em máquinas de costura no país, afirmou que na região de custos baixos do sudeste asiático que compreende o Vietname, o Camboja e Myanmar, o Camboja é, atualmente, o ponto fraco. A principal razão, refere Yap ao Just-Style, é uma subida acentuada nos salários nos últimos anos, que torna as margens dos produtores demasiado curtas para que possam investir em novo equipamento. Nos últimos quatro anos, o salário mínimo do Camboja mais do que duplicou, de 61 milhões de dólares em 2013 para 140 milhões de dólares em janeiro de 2016.
Vários expositores afirmaram que esperam alguma agitação provocada pelas próximas eleições para os conselhos comunitários em 2017 e pelas eleições nacionais em 2018.
Também as visões divergentes dos funcionários e sindicatos em duas questões difíceis – a imposição da nova lei dos sindicatos de maio de 2016 e um aumento do salário mínimo a partir de 1 de janeiro de 2017 – pode causar tensões. Por causa destes temas sensíveis, muitos programas de investimento foram postos em pausa.
Novas leis questionadas
A lei sobre os sindicatos, que foi promulgada a 17 de maio deste ano, é bem acolhida por Van Sou Ieng, presidente da Associação de Produtores de Vestuário do Camboja. «Era necessário uma lei para controlar os sindicatos. Como é que uma fábrica com 25 sindicatos pode sobreviver?», questiona de forma retórica. Segundo a associação, no ano passado havia 3.166 sindicatos para os mais de 500 mil trabalhadores das 557 fábricas têxteis e de vestuário no país e das 58 unidades produtivas de calçado.
Larry Kao, diretor-geral da Manhattan Textile & Garment e de outras empresas, acrescenta que «a lei irá melhorar a situação dos empregadores. No passado, criar um sindicato era muito fácil. Além disso, as greves não seguiam as regras. Todas eram ilegais».
«O grande desafio será implementar a lei. Na verdade, não espero que o governo seja capaz de impor a lei de forma imediata e completa», considera Ken Loo.
Do lado contrário, Ath Thorn, presidente da Coligação do Sindicato Democrático dos Trabalhadores do Vestuário do Camboja aponta três preocupações: a lei torna muito difícil para os trabalhadores e sindicatos avaliarem o direito à greve; no futuro, todos os sindicatos têm de dar ao Ministério do Trabalho um relatório financeiro anual; e a lei implica vários requisitos de registo obrigatório, que restringe a capacidade dos sindicatos de levar a cabo as suas atividades.
O salário mínimo que deverá entrar em vigor a 1 de janeiro de 2017 é outro ponto de divergência. A decisão, que está a ser discutida por representantes dos trabalhadores e dos patrões, deverá ser tomada no próximo mês de outubro, e ambas as partes têm posições fortes: limitar o aumento dos salários ao mínimo indispensável ou, no caso dos sindicatos, dar um novo salto para um salário que cubra verdadeiramente o custo de vida. O objetivo dos sindicatos é aprovar um aumento de quase 30% para 180 dólares mensais.
A Associação de Produtores de Vestuário do Camboja, contudo, alerta que 70 dos seus membros fecharam portas e que abriram apenas 35 fábricas novas.
Ken Loo sublinha que os sindicatos tendem a comentar o salário mínimo atual de 140 dólares mas que as empresas pagam aos trabalhadores bastante mais. Os salários incluem vários subsídios legais, que no total representam mais 17 dólares por mês, e que, quando são somados as horas extra e bónus por produtividade e assiduidade, a maior parte dos trabalhadores leva para casa 220 a 230 dólares por mês, podendo mesmo atingir 250 dólares.
O presidente da Coligação do Sindicato Democrático dos Trabalhadores do Vestuário do Camboja, contudo, discorda e afirma que o salário real dos trabalhadores do vestuário varia entre 180 e 200 dólares. «Em vez de trabalharem oito horas por dia, ao fazerem horas extra as pessoas trabalham muitas vezes 10 a 12 horas. Para poupar dinheiro, comem menos, partilham um quarto com mais pessoas e não têm um estilo de vida saudável», aponta Larry Kao.
Segundo um estudo da OIT, o salário médio de um trabalhador do vestuário subiu para 175 dólares por mês em 2015, em comparação com uma média de 145 dólares em 2014 – e atingiu 187 dólares no primeiro semestre deste ano.
O Camboja, juntamente com a Coreia do Norte e o Uzbequistão, está entre os países com pior classificação no mais recente índice de escravatura moderna publicado pela Walk Free Foundation da Austrália.
Sokny Say sente que os trabalhadores e os poucos sindicatos independentes são menosprezados pelas marcas que se aprovisionam no Camboja, assim como pelo programa Better Factories Cambodia da OIT.
Otimismo para o futuro
Tanto a Associação de Produtores de Vestuário do Camboja como os sindicatos parecem compreender que o sector faz parte de um sistema mundial que necessita de mão de obra barata mas que não está disposto a pagar o preço real.
Por isso, para conseguirem pagar salários mais altos, as empresas terão de aumentar a produtividade. A associação está, por isso, a construir um Instituto de Formação para o Vestuário na Zona Económica Especial de Phnom Penh, que deverá entrar em funcionamento em 2017.
Um dos objetivos do governo do Camboja para o período de 2016 a 2020 é desenvolver uma indústria a montante de têxteis e acessórios para ajudar o Camboja a competir com países com uma base de produção têxtil e vestuário mais integrada. Mas nem todos concordam. «Desenvolver uma indústria têxtil no Camboja é uma janela que já está fechada», afirma Ken Loo.
Esther Germans, diretora de programa da Better Factories Cambodia, acredita, contudo, que ainda há uma janela de oportunidade. «Vejo aqui vários produtores de vestuário modernos que fazem um trabalho muito bom. Não estão a ser afetados pela concorrência regional. Eles provam que a indústria pode tornar-se mais produtiva com o investimento em tecnologia e conhecimento e pode crescer além do CMT (corte, confeção, acabamento). Alguns fornecedores estão agora a criar fábricas CMT com a inclusão de tinturaria e lavandaria além da fronteira, no Vietname. Como o Vietname não é suficientemente grande sozinho, o Camboja também vai ter oportunidades. Quanto ao novo concorrente Myanmar, vejo que a maior parte das marcas ainda é cautelosa antes de entrar neste país emergente na produção», explica.
A indústria do vestuário do Camboja também deverá lucrar com a recente criação, em dezembro de 2015, da comunidade económica da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), ganhando um acesso mais fácil aos inputs do Vietname, da Tailândia e de outros países da comunidade.