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Prioridades ambientais do vestuário – Parte 2

As marcas e os retalhistas de vestuário ocidentais investem uma enorme quantidade de tempo em programas ambiciosos e complexos para resolver problemas de natureza ética, mas em questões provavelmente mais importantes, o seu desempenho parece declinar (ver Prioridades ambientais do vestuário – Parte 1). Na verdade, parece que estamos a entrar num paradoxo praticamente surreal: marcas e retalhistas de vestuário ocidentais anunciam quase diariamente programas mais ambiciosos e complexos para resolver problemas éticos, produzem resmas de dados que alegam “provar” que estão a trabalhar, mas sobre as questões que são provavelmente mais importantes, o desempenho parece declinar anualmente. Na medida em que esses programas “éticos” são agora chamados de “planos de sustentabilidade”, vamos pegar no que é, sem dúvida, o mais simples indicador da sustentabilidade de uma peça de roupa: o seu impacto sobre o aquecimento global. Estudos realizados pela Universidade de Cambridge em 2005 mostraram que, em circunstâncias normais, a forma como uma peça de vestuário é subcontratada ou fabricada faz pouca diferença no seu impacto sobre o aquecimento global. Por exemplo, o transporte do algodão para uma t-shirt típica por terra e mar dos EUA para a China, fiar o algodão, tricotá-lo e confeccionar a t-shirt na China e, em seguida, o frete marítimo para a Europa. O consumidor final utiliza dez vezes mais energia a lavar, secar e engomar a t-shirt do que a que foi utilizada em todo o seu transporte à volta do mundo – desde que a viagem intercontinental seja toda feita por via marítima. A confecção do vestuário utiliza até três vezes mais energia do que o frete intercontinental, mas menos de um terço da que é usada no cuidado e manutenção. Por isso, normalmente, o maior contributo que um retalhista ou marca de vestuário pode trazer para a luta contra o aquecimento global está em redesenhar as roupas para que possam ser lavadas a temperaturas baixas e tenham pouca necessidade de passar a ferro ou secar artificialmente. Mas, de acordo com os estudos da britânica DEFRA em 2005, se introduzirmos a carga aérea na equação, tudo se altera. Um quilo transportado por via aérea durante 10.000 km significa 44 vezes mais carbono do que é emitido se esse mesmo quilo fosse transportado via marítima. O transporte aéreo não gasta apenas energia, mas as emissões dos aviões libertam mais carbono por litro de combustível do que qualquer outra forma de transporte. A viagem em torno do mundo dos cerca de 150 gramas de algodão necessários para fazer uma t-shirt cria quase nenhuma poluição em relação à que é produzida na confecção de uma peça de roupa ou nos cuidados com a mesma – mas o frete aéreo é absolutamente letal. E se o tecido ou os botões de uma peça de vestuário forem fretados via aérea para a fábrica, as coisas ficam ainda piores. Desempenho do vestuário Então, como evoluiu o desempenho do sector de vestuário desde que estes números foram publicados? Até 2010, possivelmente muito bem. O vestuário importado para a UE por via aérea caiu de 10,1% (em peso) de todas as roupas importadas em 2005 para 8,2% em 2009. Mas nos primeiros dez meses de 2010 recuou para os 10,3% – o pior desempenho desde que a UE começou a registar esta informação em 2000. Atingiu uns terríveis 13,6% em Maio de 2010. Como estão os mais altos auto-promotores de “sustentabilidade” da Europa a evoluir? Simplesmente não sabemos. A Marks & Spencer, o maior retalhista britânico de vestuário, tem mais de 100 compromissos de sustentabilidade no seu “Plano A” – incluindo metas de carga aérea que diz ter alcançado. Mas esses alvos são principalmente na redução de carga aérea para a alimentação – embora muitos estudos digam que, em algumas circunstâncias, o frete aéreo de alimentos de países que cultivem com pouco uso de energia pode reduzir mais as emissões de carbono do que o seu cultivo em países ricos e transporte por terra para as lojas. A M&S não identifica as roupas transportadas por via aérea, não tem planos para revelar a sua utilização de transporte aéreo na roupa e parece não ter planos para reduzir a sua utilização. A H&M reivindica ter reduzido a quantidade de energia utilizada nos transportes, nos últimos três anos (que não é necessariamente a mesma coisa que a redução das emissões de carbono). Mas não tem metas de redução da carga aérea – e o único número que publica sobre o frete aéreo é o facto trivialmente surrealista de que foi reduzida a proporção de peças de vestuário transportadas por ar da Turquia para Hong Kong (sim, da Turquia para Hong Kong) de 100% para 74%. Enquanto isso, corta orgulhosamente nas milhas aéreas percorridas pelos seus compradores. É perfeitamente possível que a M&S e a H&M tenham reduzido, de facto, a sua utilização do transporte aéreo e que o aumento assustador de 25% na Europa em roupas transportadas via aérea entre 2009 e 2010 seja tudo culpa dos seus concorrentes. Na realidade, é provável que a M&S e a H&M possuam um melhor registo do que outros retalhistas e marcas europeias. Mas será que eles não nos diriam se fosse esse o caso? É impossível pensar em qualquer actividade no vestuário que possua decisões com maior impacto no ambiente do que a utilização do transporte aéreo. E é realmente muito difícil pensar em qualquer circunstância em que é realmente necessário e não pode ser evitado por um melhor planeamento e uma gestão de fornecedores mais apertada. Ao contrário de muitas áreas da sustentabilidade, o compromisso de eliminar os programas de transporte aéreo para o vestuário (e seus componentes) pode fazer uma diferença real para o aquecimento global. Mas “dizer não” ao transporte aéreo não é uma política fácil de aplicar. No retalho de moda, o frete aéreo parece ser, muitas vezes, a única opção comercial quando as coisas correm mal. A agência de pesquisa de mercado Ipsos MORI, do Reino Unido, divulgou em 2010 que apenas 28% da população declarou estar “preocupada” com o aquecimento global – uma queda acentuada dos 44% que estavam preocupados em 2005. Na realidade, os clientes não protestam em frente às lojas por causa do vestuário ser transportado por via aérea. Mas o transporte aéreo é algo que os retalhistas podem influenciar. Se quiserem.