As redes sociais tornaram-se focos de contrafação, que exploram as ferramentas de mensagens privadas e de divulgação para chegar aos utilizadores, de acordo com entrevistas com académicos, associações industriais e investigadores de contrafação, que comparam as tentativas das marcas de policiarem serviços como o Facebook, o Instagram e o WhatsApp como o jogo da marmota (em que se tenta bater na marmota que aparece num sítio e ela aparece de seguida noutro).
«O Facebook e o Instagram são os principais mercados onde os bens contrafeitos são vendidos ao público. Há 10 anos era o eBay e há cinco era a Amazon», afirma, à Reuters, Benedict Hamilton, diretor-geral na Kroll, uma empresa de investigação privada contratada por marcas prejudicadas por contrafação e tráfico.
Uma investigação liderada pela empresa de análise de redes sociais Ghost Data – uma empresa italiana fundada pelo especialista em cibersegurança Andrea Stroppa, que é igualmente consultor de análise de dados para o Fórum Económico Mundial – e partilhada em exclusivo com a Reuters, mostrou contrafações a imitarem produtos de marcas de luxo, incluindo Gucci, Louis Vuitton, Fendi, Prada e Chanel. A pesquisa identificou mais de 26.000 contas ativas de contrafação a operarem no Facebook entre junho e outubro de 2021, a primeira vez que a empresa estudou esta rede social, e encontrou mais de 20.000 contas ativas de contrafação no Instagram, um aumento em comparação com o ano anterior, mas uma redução em comparação com o pico registado em 2019, ano em que foram identificadas cerca de 56 mil contas de contrafação. Cerca de 65% das contas encontradas em 2021 estavam sediadas na China, 14% na Rússia e 7,5% na Turquia.
Uma pesquisa da Reuters por palavras-chave identificou dezenas de contas de Instagram e publicações do Facebook que parecem promover bens falsificados, que a Meta removeu por violarem as suas regras após a denúncia da Reuters.
Mas os utilizadores que exploram as plataformas para vender artigos falsificados são um problema persistente para a empresa, que está igualmente sob escrutínio por parte dos legisladores e entidades reguladoras em relação à moderação de conteúdos.
«A venda de contrafação e fraude é um problema que sempre persistiu com novas tecnologias», indicou, numa declaração, um porta-voz da Meta. «Estamos a ficar melhores todos os dias a parar estas vendas e a desmantelar os fraudulentos», acrescentou.
Conivência a vários níveis
A maior parte dos compradores sabe que não estão a ter o produto original quando pagam 100 euros por uma carteira que é vendida no retalho a mais de 5.000 euros. As vendas e reputação das marcas saem igualmente prejudicadas, para além do potencial perigo em termos de segurança dos produtos e o facto da contrafação estar muitas vezes ligada ao crime organizado.
Ao contrário dos sites como a Amazon e o eBay, onde as listas de produtos são públicas, as redes sociais fornecem múltiplos canais aos criminosos para publicarem em comunidades privadas, enviar mensagens direcionadas e usarem conteúdo que desaparece ao fim de algum tempo, como as histórias no Instagram, apontam os especialistas.
«Estão a criar muitas oportunidades únicas para os criminosos se esconderem», avisa Lara Miller, vice-presidente de estratégia corporativa da International AntiCounterfeiting Coalition.
Os vendedores de contrafação estão a aproveitar ferramentas como os catálogos de produto do WhatsApp, que não são encriptados e são disponibilizados através da opção “perfil do negócio” da app, para mostrar a sua oferta, revela a investigação da Ghost Data.
Em 2020, a Chanel, a Lacoste e a Gant abandonaram uma iniciativa da Comissão Europeia voltada para um aumento da cooperação entre marcas e websites, incluindo o eBay, o Alibaba e o Marketplace do Facebook, para combater a contrafação, afirmando que não era eficaz.
Numa entrevista no ano passado, o diretor financeiro da Chanel, Philippe Blondiaux, referiu que a casa de moda, que apenas vende online perfumes e cosméticos, não acredita que o Facebook ou o Instagram sejam «o ambiente certo para vender artigos de luxo», acrescentando que a marca quer um ambiente íntimo e «muito protegido» para os seus clientes.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), que estima que o comércio de produtos contrafeitos tenha atingido 464 mil milhões de dólares (cerca de 406,4 mil milhões de euros) em 2019, afirmou que um aumento no comércio eletrónico em 2020/2021 levou a um crescimento massivo da oferta de contrafações online. Académicos sustentam que as fraudes se multiplicaram na pandemia, enquanto a legislação nos EUA e na União Europeia continuou incapaz de a combater.
A luta continua
A Chanel, a Gucci e a Prada sustentam que o combate à contrafação levou à retirada de centenas de milhares de publicações no ano passado, mas sem referir especificamente os serviços da Meta. Segundo um processo legal submetido pela Meta com a Gucci no ano passado, desde 2015 que a plataforma tem estado a tentar acabar com o negócio de uma mulher em Moscovo acusada de vender artigos falsificados nos seus serviços através de uma rede de mais de 150 contas.
Os diretores do departamento jurídico da Meta disseram à Reuters que acabar com a contrafação é fundamental numa altura em que a empresa acelera os seus planos para o comércio eletrónico. «Com o comércio a tornar-se uma prioridade estratégica para a empresa e à medida que criamos novas experiências de compra, reconhecemos que queremos ter a certeza que essas experiências são seguras e fiáveis para as marcas e para os utilizadores», garantiu o diretor e consultor geral associado para IP da Meta, Mark Fiore, no verão passado.
Num relatório recente, a empresa indicou ter removido 1,2 milhões de conteúdos de contrafação no Facebook, incluindo contas, entre janeiro e junho de 2021 e cerca de meio milhão no Instagram. Nesse período, a empresa removeu ainda proactivamente 283 milhões de conteúdos do Facebook que violavam as regras de contrafação ou direitos de autor e cerca de 3 milhões no Instagram, antes de terem sido reportadas pelas marcas ou até mesmo antes de ficarem online.