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Retalho a ferro e fogo

Desafiando uma proibição do tribunal, 14 lojas de bricolagem em França abriram ao público no domingo, numa guerra cada vez mais azeda entre o governo em relação a uma lei que proíbe o comércio no tradicional dia de descanso. A ação surge por entre um intenso debate em relação às práticas laborais em França. O governo está a tentar manter a longa tradição de evitar o trabalho ao domingo e à noite, mas numa altura em que o desemprego atinge máximos históricos, muitos empregados veem a proibição como obsoleta. Na semana passada, tanto a Leroy Merlin como a Castorama, duas cadeias de bricolagem, foram proibidas pelo tribunal de abrir as suas lojas na área de Paris aos domingos, sob pena de poderem vir a pagar multas de 120 mil euros por loja e por dia. Mas no domingo abriram na mesma, por entre manifestações de apoio dos empregados e clientes. «Sinto-me ultrajado pela decisão do tribunal: de repente, arrisco-me a ficar sem salário, o que ameaça os meus estudos», afirmou Eleanor Leloup, uma estudante de quiroprática de 24 anos que trabalha aos fins de semana numa das lojas da Leroy Merlin afetadas, em Ivry-sur-Seine, próximo de Paris. Smahene, outro funcionário da loja, usou uma t-shirt com as palavras “Yes week-end”, numa referência ao slogan “Yes we can” usado pelo presidente dos EUA, Barack Obama, na sua campanha de 2008. Porta-vozes de ambas as cadeias denunciaram uma proibição confusa que permite que algumas lojas abram em determinados casos. Segundo a lei francesa, os retalhistas apenas podem abrir ao domingo em circunstâncias muito específicas: se estiverem localizados numa área de turismo, por exemplo. Qualquer loja que venda produtos alimentares, como um talho, pode também estar aberta até às 13h. «Algumas lojas podem abrir ao domingo sem problema e outras têm de pedir dispensas especiais. Seria bom se toda a gente recebesse tratamento igual», referiu uma porta-voz da Castorama. A Leroy Merlin, por seu lado, criticou «um grande imbróglio» no que diz respeito às permissões dadas a algumas lojas para abrir e não a outras. Alguns ministros reconheceram que é necessário fazer mudanças e, no início da tarde de domingo, o Governo anunciou uma reunião especial na segunda-feira de manhã «para que as coisas evoluam». Numa entrevista na edição de domingo passado ao jornal Journal du Dimanche, Sylvia Pinel, Ministra do Artesanato, Comércio e do Turismo, reconheceu que há «uma complexidade na lei» que exige clarificação. E Bruno Le Roux, presidente da bancada socialista na Assembleia Nacional, defendeu na Radio J que os retalhistas deveriam ter a «possibilidade» de trabalhar aos domingos. Mas outros políticos condenaram as duas cadeias de bricolagem. Benoît Hamon, Ministro-Adjunto da Economia Social e Solidária e do Consumo, afirmou no sábado que é «inaceitável que uma marca não acate uma decisão judicial». A Ministra da Justiça Christiane Taubira, por seu lado, sustentou que as leis são para cumprir, já que «somos um Estado governado pela lei». Mas a grande maioria dos consumidores que visitaram as lojas de bricolagem no domingo afirmaram que apoiam a decisão de continuarem abertas. «Sinto-me envergonhada, penso que é ultrajante que neste país não estejam a deixar as pessoas trabalhar. E depois as pessoas ficam surpreendidas que haja desemprego», referiu Elisabeth Armani, uma amante parisiense das compras de bricolagem na loja da Leroy Merlin em Ivry. «Onde está a petição? Vim cá de propósito para encorajar estes jovens que querem trabalhar ao domingo, nós apoiamos-vos», sublinhou Philippe Dafit, outro consumidor, aos empregados que estavam a distribuir panfletos na entrada da loja. A controvérsia do domingo surge após outro debate semelhante que emergiu na semana passada em França – desta feita sobre a proibição do trabalho à noite. Um tribunal decidiu que a retalhista de cosmética Sephora tem de fechar a sua flagship em Paris às 21h, depois desta ter estado aberta até à meia-noite à semana e até à 1h da manhã às sextas-feiras e sábados, para capitalizar a procura por compras tardias. Os empregados da loja criticaram os sindicatos que levantaram a queixa, por impedirem que optassem por trabalhar mais horas por pagamento extra, numa altura em que a taxa de desemprego está num máximo recorde de 10,9%. A retalhista já anunciou que irá recorrer da decisão do trabalho.