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Roupa nova para Francisco

Para um grupo de Católicos, a notícia mais aguardada não era saber quem o Conclave de Cardiais iria escolher mas qual a sua altura. Essa era a principal preocupação dos artesãos da Ditta Annibale Gammarelli, a alfaiataria papal desde o século XVIII. Imediatamente desde que o Papa Bento XVI anunciou os seus planos para se retirar, os artesãos da Gammarelli começaram a trabalhar na sua difícil tarefa. Na loja de dois pisos, com painéis de madeira nas paredes, e situada numa rua paralela ao Panteão em Roma, os especialistas em corte e os alfaiates fizeram três conjuntos de vestes papais, no tamanho de pequeno, médio e grande. Nenhum dos candidatos era, de resto, maior do que isso. O Papa João XXIII, que morreu em 1963, foi o último Sumo Pontífice a usar um XL. A partir do momento em que sai fumo branco da Capela Sistina, o sinal de um veredicto – como aconteceu com Jorge Mario Bergoglio, na passada quarta-feira – o novo Papa veste as suas novas roupas: uma batina em lã comprida e branca, uma faixa branca, um solidéu branco e, se quiser, uma mozetta – como é chamada a peça de vestuário até à cintura usada por cima da batina – vermelha. Foi assim (tirando a mozetta) que o Papa Francisco foi acompanhado à varanda voltada para a Praça de S. Pedro para cumprimentar e rezar com os fiéis que aguardaram várias horas para conhecerem o novo pastor da Igreja Católica. A Gammarelli preparou, por isso, dois conjuntos de cada um dos três tamanhos e, uma vez que é ainda inverno, uma capa de veludo vermelha com uma borda em pelo branco –, que Francisco dispensou na sua primeira aparição. Os sapatos são, como sempre, um desafio, revelou Lorenzo Gammarelli, numa entrevista telefónica ao New York Times, tendo por isso preparado uma seleção de loafers vermelhos em todos os tamanhos para estar preparado para qualquer contingência. Embora as vestes possam ser olhadas de lado pelos civis mais adeptos de moda, na carreira clerical há muito que é um sinal de chegada ao topo encomendar todas as vestes sacerdotais na Gammarelli. A loja tem, afinal de contas, vestido o clero desde os dias em que Roma era ainda um domínio papal, com a sua clientela sobretudo proveniente da elite da aristocracia recrutada pela Igreja Católica Romana. Todos os Papas no último século foram vestidos pela Gammarelli, com uma exceção: o Papa Pio XII, que liderou de 1939 a 1958, preferiu usar o seu próprio alfaiate privado. Tal como em tudo na Igreja Católica Romana, tem havido uma tendência para a simplicidade nas vestes sacerdotais. O Papa João Paulo II, rejeitou o “sedia gestatoria”, o trono portátil no qual os papas eram tradicionalmente transportados aos ombros dos fiéis, as vestes bordadas, as sedas pesadas e os ricos brocados preferidos pelo clero no século XIX foram substituídos por designs mais discretos. Quando Bento XVI, agora Papa Emérito, deixou o Vaticano de helicóptero para Castel Gandolfo, estava vestido com uma simples batina da Gammarelli até ao tornozelo, num solidéu branco – «o nosso branco é na verdade marfim», refere Gammarelli – e um anoraque branco. Embora o alfaiate também faça roupa para civis (a Mes Chaussettes Rouge, uma empresa francesa, tem a licença da Gammarelli para vender meias eclesiásticas – vermelhas para os cardinais, roxas para os bispos, brancas para o papa – apreciadas por amantes da moda como Hamish Bowles, editor da Vogue), as encomendas tendem a aumentar durante os momentos raros dos conclaves, quando os cardeais vindos de todo o mundo católico aproveitam a oportunidade para renovarem o seu guarda-roupa. Como um funcionário disse uma vez a um repórter que visitou a loja, os cardeais vêm à Gammarelli, a Gammarelli vai ao Papa. Enquanto Bento XVI era de alguma forma muito interessado na roupa, segundo um alfaiate da Gammarelli (que falou sob a condição de anonimato por receio de ofender os patronos mais importantes da loja), João Paulo II em comparação estava pouco preocupado com o que usava. Talvez porque estava muito ocupado a fazer visitas pastorais fora de Itália (mais de 100), a escrever livros, a publicar encíclicas e a canonizar mais santos que qualquer outro Papa fez durante séculos, João Paulo II preferia deixar as suas medidas e uma encomenda anual na Gammarelli de duas batinas em lã leve cor de marfim, para suportar o tempo quente de Roma. Uma posição que poderá ser seguida pelo Papa Francisco, conhecido por uma vida espartana enquanto Cardeal em Buenos Aires e para quem o capitalismo é um dos inimigos de uma sociedade mais harmoniosa.