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Tecnologia cria confiança no sourcing

Novas ferramentas e tecnologias estão a ajudar a indústria de vestuário a criar cadeias de aprovisionamento mais inteligentes, mais transparentes e de maior confiança, assumiram os responsáveis de marcas como a Hugo Boss e a Mango na Convenção Mundial de Moda da IAF - International Apparel Federation.

«Um quarto de todas as pessoas do mundo que estão ligadas às redes sociais estão interessadas em moda. Elas começam a informar-se antes de comprar o que quer que seja, querem ver o que está disponível sobre a empresa, sobre a marca», afirmou Heinz Zeller, diretor de sustentabilidade e logística na marca alemã Hugo Boss. «62% tomam uma decisão com base nesta informação mas 40% não acredita no que a marca diz sobre a sua própria performance», destacou, perante a audiência da 34. ª convenção anual da International Apparel Federation, que se realizou em Maastricht, na Holanda, nos dias 9 e 10 de outubro.

Parte do problema é a falta de transparência da cadeia de aprovisionamento. Embora vários players da moda, como a Gap, a Timberland e a Uniqlo, estejam atualmente a revelar a lista de fornecedores, a dificuldade surge após este primeiro passo. O ponto de rutura surge na fase de matérias-primas, em que «ninguém é capaz de revelar nada», acrescentou Zeller.

O papel da blockchain

O diretor de sustentabilidade e logística da Hugo Boss acredita que a tecnologia blockchain pode ser o futuro da transparência da cadeia de aprovisionamento, permitindo que um retalhista – ou até um consumidor – faça o rastreamento da chamada “estória” de uma peça de vestuário até à origem da matéria-prima, incluindo, por exemplo, onde é que o algodão foi cultivado.

Ao oferecer uma forma segura e transparente de partilhar informação – em oposição à atual rede de sistemas próprios de cada player –, a tecnologia blockchain é, neste caso, uma espécie de livro de registo. Qualquer pessoa com permissão para aceder ao livro pode fazer mudanças e acrescentar informação. Estas mudanças são chamadas de “blocos” e são acrescentadas à “cadeia” – daí o termo “blockchain” para designar esta tecnologia.

A blockchain traz ainda benefícios adicionais. «Não tem a ver apenas com indicadores de sustentabilidade, pode ter também informação orientada para o negócio, como o stock ou capacidade», explicou Heinz Zeller, acrescentando que o facto da informação estar disponível em tempo real significa que o utilizador não tem de pesquisar em milhares de plataformas para confirmar a autenticidade.

Para além do negócio na cadeia de aprovisionamento, há a oportunidade não só de “ligar os pontos”, mas também de fazer a gestão e «se eu faço a gestão das encomendas, consigo ter rastreabilidade. Posso seguir o percurso de cada produto desde a quinta onde o algodão foi cultivado até ao meu armazém e fornecer essa informação aos meus clientes no final. Mas o que é realmente interessante é que também posso passar na alfândega com isto porque tenho a informação disponível e forneci esta informação digitalmente. Vamos reduzir os custos operacionais ao longo de toda a cadeia de aprovisionamento», enalteceu Zeller. Por isso, acrescentou, «não é apenas algo que se vai usar ara gerir a cadeia de aprovisionamento, não é apenas algo para o gestor de responsabilidade social corporativa, é realmente um grande ecossistema».

Criar confiança

Craig Crawford, fundador da consultora britânica Crawford IT, concorda. «Não é possível mentir com a blockchain», afirmou aos participantes da convenção, que em 2012 se realizou em Portugal (ver Convenção mundial em Portugal). «Se mentir na blockchain, as pessoas vão saber. Por isso a confiança é tudo», sublinhou. «A confiança é partilha e é colaboração. E confiança é transparência e comunicação. Por isso, quando se pensa nisso, enquanto marca, quanto é que confiam realmente na vossa cadeia de aprovisionamento?», questionou Crawford.

Jan Hilger, Ward de Kruiff, Heinz Zeller e Craig Crawford

Para o fundador da Crawford IT, que no passado foi vice-presidente de estratégia, arquitetura e relações de tecnologias de informação na marca de luxo Burberry, «a cadeia de aprovisionamento é muito complexa e gerimos tudo manualmente: é incompreensível. Mas quando partilhamos dados, quando partilhamos a rastreabilidade, quando partilhamos qualidade e partilhamos o nosso conhecimento uns com os outros, começamos a criar confiança. E quando temos isto digitalmente, temos a oportunidade de colaborar. Toda a gente está ligada, toda a gente tem a mesma informação, toda a gente tem uma voz e, francamente, começamos a fazer cocriação. Se nunca fizeram isso antes, pode ser uma experiência intimidante».

Há ainda a necessidade de «falar com as fábricas na sua própria linguagem e adotar a linguagem da indústria que o sector compreende: constantemente e em múltiplos canais», acrescentou Craig Crawford.

Mas tudo isto tem de se revestir de eficiência. «É uma questão de ser estratégico, porque a partir do momento em que se tem estes dados digitalmente, é possível olhar para eles e tomar decisões que anteriormente eram tomadas de forma instintiva ou levava muito tempo a compilar a informação em folhas de cálculo. As folhas de cálculo são boas para empresas pequenas, para organizar as coisas, mas não é possível gerir um negócio com folhas de cálculo. Mas é possível com o conhecimento do que se está a passar em tempo real e a única forma de fazer isso é juntar todos os dados digitalmente», afirmou o fundador da Crawford IT.

Estratégias de sourcing em evolução

Na Mango, a segunda maior retalhista e exportadora de moda em Espanha, a seguir à Inditex, o diretor de sourcing Andrés Fernández revelou que a empresa está constantemente a repensar e a rever a sua estratégia de sourcing. «Onde comprar, a que fornecedores ir, rever o nosso portefólio de fornecedores», explicou.

O objetivo é, em parte, limitar «o impacto que as nossas operações e a produção das nossas peças de roupa têm no meio ambiente», mas também assegurar que o negócio tem a capacidade de responder às tendências em rápida mudança das vendas online. «Talvez haja novos pedidos de produtos que surgem tão rapidamente que é preciso de repente ter fornecedores a quem possamos recorrer, sportswear que nunca tivemos – e é preciso encontrar formas de ter isso», justificou Fernández.

Embora o online represente apenas 15% das vendas da Mango atualmente, o diretor de sourcing indicou que a expectativa é que essa quota aumente para 20% em apenas dois ou três anos. «É muito e temos de ser capazes de encontrar a rapidez e capacidade de reação para isso», afirmou.

A retalhista espanhola ainda vê a China como «um grande centro de aprovisionamento», onde compra cerca de 25% do vestuário que vende, enquanto Marrocos e a Turquia juntos representam 22%, o Bangladesh 19% e a Índia 8%.

A procura por novos fornecedores é «um processo permanente», garantiu Andrés Fernández, com a Mango a analisar o desenvolvimento de opções low-cost como Myanmar e a Etiópia.

Encontrar novos fornecedores, contudo, «é uma revisão constante do que se está a fazer e de como se está a fazer. É um processo um pouco doloroso e bastante frustrante no sentido em que demora muito tempo, esforço e pesquisa para contactar pessoas e nem sempre se obtém a resposta que se pretende. Há um rácio de sucesso muito baixo entre os fornecedores que contactamos e os fornecedores que são incorporados com sucesso no portefólio, o que torna todo o processo muito lento e muito oneroso. Não é possível implementar estas mudanças na estratégia de sourcing em apenas alguns dias. É preciso um mês ou mais e isso faz-nos pensar que tem de haver uma forma melhor de ajudar a acelerar o processo para o tornar mais barato e mais rápido», assinalou o diretor de sourcing da Mango.

Para ajudar a melhorar esta taxa de conversão, a retalhista tem estado a trabalhar coma plataforma business to business FourSource, que liga compradores a uma base mundial de produtores de vestuário certificados e que tem escritório no Porto (ver Tinder do vestuário chegou ao Porto).

«Porque não usar tecnologia para ajudar a abordar fornecedores de uma forma única, com comunicação rápida e resposta rápida. Torna todo o processo muito mais rápido e, no final, marcas como a nossa realmente querem ter a certeza que os fornecedores com quem trabalhamos estão em linha com as nossas exigências em termos de direitos humanos, qualidade e sustentabilidade. Todo o processo de validação, a integração de fornecedores, quanto mais rápido se conseguir fazer, melhor é para a empresa. Parece que finalmente a tecnologia permite isso», concluiu Andrés Fernández.