A Região Autónoma Uigur de Xinjiang é responsável pela produção de cerca de um quinto do algodão mundial e é a maior exportadora de têxteis e vestuário da China. Além disso, muito do algodão é utilizado na composição de fios que são usados por fábricas de vários pontos do globo.
Esta região, no entanto, tem sido apontada por recorrer ao trabalho forçado de centenas de milhares de uigures muçulmanos e outras minorias éticas religiosas na cultura do algodão, o que introduz também este problema nas cadeias de aprovisionamento globais.
De acordo com uma análise recente da CSIS Human Rights Initiative, que tem como objetivo lutar contra o trabalho forçado, os principais players da indústria devem trabalhar em conjunto para desenvolver oportunidades de aprovisionamento. Deste modo, o estudo incide em estratégias de governos organizações e empresas que pretendem erradicar o trabalho forçado em Xinjiang.
O relatório “Addressing Forced Labor in the Xinjiang Uyghur Autonomous Region: Collective Action to Develop New Sourcing Opportunities”, divulgado pelo just-style.com, indica que para acelerar o desenvolvimento de centros de aprovisionamento alternativos livres desta prática, deve haver um esforço coordenado para incentivar a longo prazo o investimento em novas localizações. Os direitos humanos internacionais e as normas ambientais devem constituir um elemento fundamental na estratégia aplicada por todas as entidades, sugere o relatório, cujos especialistas consideram que a criação destes novos hubs vá demorar cerca de 10 anos.
Os novos centros de produção de têxteis, vestuário e calçado devem ser integrados verticalmente e de preferência na região chinesa, segundo o estudo. «Isso requer um investimento significativo em fábricas de fios e tecidos, que precisam de equipamentos caros e também de trabalhadores qualificados, sem proporcionar retorno, durante vários anos, sobre o investimento aplicado», afirma. «Para estabelecer novos centros [de aprovisionamento], um país ou uma região deve providenciar incentivos apropriados, como uma infraestrutura adequada, um amplo investimento, direitos do trabalho, proteção ambiental e oportunidades para a qualificação dos trabalhadores», explica no documento.
Esta diversificação garante uma série de benefícios além da eliminação do trabalho forçado, nomeadamente maior flexibilidade e resiliência e impactos na cadeia de aprovisionamento, uma preocupação crescente dada a crise pandémica. Se for devidamente implementada, a diversificação pode ainda ajudar os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, uma vez que promove o trabalho digno e vai ao encontro das normas ambientais mais rígidas.
O domínio da China
A China desempenha um papel crucial em todos os elos da cadeia de valor, quer seja no cultivo de algodão, quer seja na fiação, na tecelagem ou na confeção. Com produção própria, o país exporta fios, tecidos e vestuário para países vizinhos como o Bangladesh, Vietname, Camboja e Indonésia.
Precisamente graças ao fator diversidade, a China conseguiu um papel dominante na indústria têxtil e vestuário, também com toda a escala, capacidade técnica e integração vertical. Em 2019, o país exportou quatro vezes mais em dólares do que o Bangladesh, o segundo maior exportador. Não obstante, o valor das exportações têxteis da China é quase sete vezes o valor das exportações do Bangladesh.
Candidatos prováveis
Já com produção de fios e têxteis, embora em quantidades limitadas, os países asiáticos têm maior probabilidade de aumentar rapidamente a produção de fios e têxteis, constituindo, por isso, uma alternativa como centro de aprovisionamento.
Os fabricantes da região podem disponibilizar produtos mais técnicos, abrangendo não só tecidos mas também calçado desportivo que necessita de equipamentos sofisticados. Outra das mais-valias é que estas empresas de vestuário costumam estar familiarizadas com a região e podem, deste modo, estabelecer relações fortes com fornecedores localizados no Sul e no sudeste da Ásia. Há, contudo, muitos desafios, tendo em conta que a meta principal é extinguir o trabalho forçado na região de Xinjiang.
Vietname
Se as marcas tentarem reduzir a dependência da China, a curto prazo, a produção de fios, têxteis e calçado do Vietname pode ser uma das maiores beneficiárias. O Vietname depende da China em cerca de 60% dos tecidos, 55% dos fios e fibras e 45% dos acabamentos usados na produção de vestuário, mas já começou a própria produção nestas áreas, com grande parte do algodão proveniente dos EUA.
Bangladesh
Se as marcas começarem a evitar relações comerciais com o sourcing chinês, o Bangladesh poderá ser a segunda opção na lista, já que se está a tornar cada vez mais verticalmente integrado.
O país importa grandes quantidades de algodão da África Ocidental, face às preocupações que existem com a qualidade do algodão da Índia. Mesmo com as melhorias significativas na saúde e na segurança em 2019, os trabalhadores do Bangladesh enfrentaram vários despedimentos, com alguns deles até presos na sequência de disputas laborais. Mais recentemente, à luz da pandemia, os trabalhadores da indústria de vestuário do país não receberam a devida remuneração, o que deixou as empresas reticentes à contratação destes serviços.
Índia
O país é o maior produtor mundial de algodão e, como tal, tem capacidade para aumentar a produção. Como acontece na África Ocidente, a produção de algodão na Índia caracteriza-se pelas baixas taxas de rendimento e, sobretudo, por pequenas propriedades. É a qualidade do algodão que apresenta desafios para a atratividade deste mercado como um importante destino de aprovisionamento verticalmente integrado.
A Índia é o segundo maior exportador têxtil do mundo e o governo do país tem vindo a investir no sector, através da implementação de um plano têxtil para atualizar a tecnologia, melhorar a produtividade e promover as exportações.
O cumprimento dos direitos laborais varia consoante a região geográfica da Índia, sendo o trabalho infantil e a escravatura as duas questões mais preocupantes.
Indonésia
As exportações da indústria têxtil e vestuário indonésia aumentaram um terço de 2018 para 2019, mas a indústria continua a ser 40% do tamanho da vietnamita. Como parte da aceleração da indústria 4.0, Jacarta anunciou planos para relaxar as restrições de investimento estrangeiro, estimulando, assim, a entrada de capital.
Para este mercado, os impedimentos mantêm-se, nomeadamente os elevados custos logísticos face às regiões vizinhas como a Malásia e a Tailândia. Os preços da eletricidade e do gás são também muito altos comparativamente a países produtores de têxteis.
Paquistão
A reputação do Paquistão tem limitado o desempenho neste sector, ainda que várias entidades que lidaram diretamente com a indústria de vestuário do país tenham destacado infraestruturas «significativamente melhores» do que as dos países vizinhos. Desta forma, melhorar a segurança pode ajudar o Paquistão a aumentar as exportações nas categorias de produtos já existentes.
EUA
Atualmente, os EUA são o terceiro maior produtor de algodão do mundo, depois da Índia e da China. Várias iniciativas têm como foco o fortalecimento da indústria têxtil dos EUA, principalmente nas fibras e têxteis técnicos, onde o custo da mão de obra não é o fator primordial.
Graças aos custos elevados da mão de obra, associados ao fabrico de vestuário nos EUA, é provável que os têxteis norte-americanos sejam exportados para países da América Central para a produção final das peças. Para este mercado, poderá ser benéfico aumentar a produção local de fios e tecidos, de modo a promover o nearshoring e a integração regional na América do Norte e Central.
México
O futuro pode assinalar o crescimento para este mercado como resultado do Tratado
de Livre Comércio da América do Norte (Canadá, Estados Unidos e México).
Com a economia e os impostos de transporte, as opções próximas à costa podem ser mais baratas do que a produção na China e noutros países asiáticos.
Se os custos dos tecidos fossem os mesmos, a comparação do preço por par de calças revelou que a produção no México seria 12% mais barata do que na China, com um tempo de comercialização bem mais rápido.
América Central
Os países da América Central costumam produzir produtos mais simples e que não requerem capacidade técnica. Por consequência, o investimento dos EUA nesta região poderia contribuir para a diversificação da cadeia de aprovisionamento, enquanto estaria a proporcionar oportunidades mais significativas bem como ajudar a estabilizar e melhorar a economia da região e também as condições dos direitos humanos.
Turquia
A Turquia é um fornecedor têxtil importante, já que exportou mais de 11 mil milhões de dólares (9,09 mil milhões de euros) em têxteis em 2019. O país é muito menos dependente da China e importa algodão de vários países, sendo que os EUA fornecem a maior parte.
Habitualmente, o fio de algodão é importado do Turquemenistão e do Uzbequistão, que enfrentam problemas com o trabalho forçado nos respetivos campos de algodão. Este problema poderá ser minorado se o Uzbequistão continuar a fazer progressos neste campo. Não obstante, a Turquia ainda importa algum tecido de algodão da China – aproximadamente 23% em 2018.
A tensão comercial existente entre a Turquia e a China contribuíram para a redução das importações da China.
África Oriental e Ocidental
Amas as regiões representam oportunidades a longo prazo para desenvolver centros de aprovisionamento verticalmente integrados, o que vai demorar consideravelmente, dado que é necessário fazer investimentos nas infraestruturas e estabelecer compromissos com as marcas e o governo, para obter incentivos que façam com os que fabricantes têxteis se queiram instalar nesta região.
Além disso, África é também um produtor significativo de algodão, com a África Ocidental a produzir cerca de 5% do algodão mundial, o equivalente a dois terços da produção total de África.
A produtividade do algodão na África é baixa, o que significa que há ainda margem para cescer.
A falta de capacidade produtiva da África é o maior dilema. Atualmente, a África adquire grande parte dos têxteis à China e a outros países asiáticos, com a China a contribuir para mais de 40% do total das importações de têxteis para a África Subsaariana
As empresas têxteis estão a investir cada vez mais na indústria têxtil africana, principalmente as empresas chinesas, o que pode fazer com o algodão de Xinjiang passe a fazer parte também do aprovisionamento chinês, alimentado o trabalho forçado das minorias étnicas.
Condições mais favoráveis
Em concordância com as informações do relatório, criar centros de aprovisionamento, será mais rápido nas regiões onde já existe integração vertical e onde os governos locais colaborem.
«As regiões mencionadas apresentam diferentes desafios, bem como oportunidades de sourcing. É improvável que qualquer país ou região em particular substitua totalmente a China como o próximo grande centro de sourcing. Na verdade, é provável que as várias regiões possam ser desenvolvidas para finalidades diferentes», sublinha a análise “Addressing Forced Labor in the Xinjiang Uyghur Autonomous Region: Collective Action to Develop New Sourcing Opportunities”. «Todos estes esforços devem incorporar fortes garantias sociais e ambientais como uma prioridade para que os centros de aprovisionamento alternativos sejam mais responsáveis e, portanto, haja uma melhoria significativa no status quo», conclui o relatório.